Alfredo Guisado nasceu em 1891, em Lisboa, e morreu, na mesma cidade, em fins de 1975. Fez o curso de Direito na Universidade de Lisboa. Como jornalista, deixou larga colaboração no jornal República, de que foi director-adjunto.

O seu nome figura entre os colaboradores do nº 1 do Orpheu, assinando aí “Treze Sonetos”, que, três anos depois, incluirá em Ânfora. Era já, em 1915, autor de duas colectâneas de poemas Rimas da Noite e da Tristeza, 1913, e Distância, 1914, publicitadas, aliás, no número inaugural do Orpheu. Quando em Julho de 1914 Mário de Sá-Carneiro, em carta que lhe envia de Paris, fala no «orgulho» por ele sentido pelo facto de as poesias de Alfredo Guisado «se incluírem na mesma escola que as [suas] obras e as de Fernando Pessoa», refere-se à escola paúlica, para a qual alguns dos poetas que, no ano seguinte, aparecerão associados a Orpheu, são aliciados após a publicação de “Pauis” de Fernando Pessoa, em 1914, em A Renascença, sendo também significativo o facto de Distância contemplar na sua dedicatória nomes como os de António Ferro, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Com efeito, embora em 1916, na revista Exílio, o «sensacionista» Fernando Pessoa, em nota crítica a Elogio da Paisagem, 1915, de Pedro de Menezes ( pseudónimo com que Guisado assina as obras que irão ser incluídas em Tempo de Orfeu ), procure integrar o livro do seu companheiro do Orpheu no sensacionismo, e o referido «significante», como já foi observado ( cf.  introdução de Teresa Almeida à edição facsimilida de Exílio, 1982 ),  abrigue, em Pessoa, «significados vários», é ao paulismo que permanece fiel o essencial da produção poética de Alfredo Guisado, nomeadamente a que, correspondendo ao período situado entre 1915 e 1918, coligiu, em 1969, sob o título elucidativo de Tempo de Orfeu. Pouco depois da morte de Pessoa, num artigo publicado em O Diabo (“Algumas palavras sobre Orpheu”), Guisado referir-se-á, aliás, a “Pauis” como «uma poesia-padrão, qualquer coisa de basilar, e tanto que se convencionou chamar “paulismo” a esse alvorecer de modernismo literário».

O paulismo de Alfredo Guisado, pelas imagens, pela temática, é bem aquela corrente «cuja primeira manifestação nítida», segundo Pessoa ( cf. Álvaro de Campos, “Modernas Correntes da Literatura Portuguesa”, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, ed. de Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, s.d., pp.125-126 ), «foi o simbolismo». E se representa, para nos socorrermos ainda das palavras de Pessoa, «um enorme progresso sobre todo o simbolismo e neo-simbolismo lá de fora», as ousadias de que lança mão, sobretudo através das regências anómalas, não andam longe das que um Mário de Sá-Carneiro pôs em moda, a par de outros procedimentos estilísticos como o frequente uso dos compostos por justaposição ou das maiúsculas. Em síntese, poderia dizer-se que o paulismo de Alfredo Guisado, para além da abertura a algumas transgressões da «escrita modernista», combina em si, como apontou José Carlos Seabra Pereira, a sedução do simbolismo, do decadentismo e do saudosismo. Dois aspectos haveria ainda a salientar na sua obra: o sebastianismo ( vide especialmente a sequência “Alcácer-Kibir” de Mais Alto, 1917 ), comum, de resto, aos poetas que aderem ao credo saudosista, e o que, por via do protesto social, o faz, de alguma forma, precursor do neo-realismo nos “versos galegos” de Xente d’Aldea, de 1921( A.G. era, esclareça-se, de ascendência galega ). Por outro lado, seja qual for a leitura que se empreenda, por exemplo, dos seus «misticismo», medievalismo ou fascínio pelo exotismo da civilização egípcia, emblematicamente consubstanciada na sagrada “Íbis” ( cf. Mais Alto ), é o «estoirar da disciplina semântica e sintáctica», como reconhece Urbano Tavares Rodrigues no prefácio a Tempo de Orfeu, 1969, que confere maior interesse à poesia de Alfredo Guisado, que, dos elementos de inspiração colhidos, não faz, afinal, senão «motivos de elaboração estética». Registe-se ainda a publicação póstuma de Tempo de Orpheu II, contendo amplo material inédito, na Galiza, em 1996, por iniciativa de José António Fernandes Camelo.

Para além do que deixou dito sobre Elogio da Paisagem nas páginas da revista Exílio, por diversas vezes Fernando Pessoa se pronunciou sobre a poesia de Alfredo Guisado. Assim, numa carta a Armando Cortes-Rodrigues ( 4 de Março de 1915 ), refere-se à colaboração de Guisado prevista para o nº 1 do Orpheu nos seguintes termos: «O Guisado tem feito ultimamente extraordinárias e inesperadas coisas, versos ofuscantemente belos». Um texto do espólio, não assinado, datável dos primeiros meses do ano anterior, e revelado por Fernando Cabral Martins em O Modernismo em Mário de Sá-Carneiro, 1994 ( “A Nova Doença na Literatura Portuguesa”, pp.152-154 ), contém, por sua vez, referências que não deixam de ser elogiosas a Alfredo Guisado, e a Mário de Sá-Carneiro, pelo facto de se apresentarem sob uma formulação restritiva, inspirada pelas ideias de Max Nordau: «Se bem que seja fácil reconhecer quanto esta escola é doentia e perigosa, ninguém pode negar ao sr. Sá-Carneiro extraordinárias qualidades de novelista e de prosador; pena é que o enredo das suas novelas seja inacessível ao público e que o estilo em que estão escritas sofra constantemente da doença da escola. Quase o mesmo se pode dizer dos livros de versos dos srs. Guisado e Sá-Carneiro. Sofrem de requinte exagerado, do abuso da introspecção da escola.» Num texto dedicado ao Orpheu, incluído em Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação ( pp. 114-117 ), e  atribuído a António Mora, faz Pessoa subtis reflexões sobre as relações entre simplicidade e complexidade em literatura: «Há, por certo, um modo simples de dizer as cousas; se essas cousas, porém, forem, de sua natureza complexas, não hão-de ser ditas de tal maneira que uma simplicidade de expressão as torne simples, pois que, se são complexas, fazê-las parecer simples é exprimi-las mal». A certo passo, invoca o exemplo de Alfredo Guisado, detendo-se no incipit de um dos seus mais complexos textos, o segundo poema do díptico “Salomé”, vindo a lume no nº 1 do Orpheu: «Quando o senhor Alfredo Pedro Guisado diz «Deus, longo cais em mim», eu compreendo-o perfeitamente, nem creio que o não compreenderá a criatura que se tiver dado ao trabalho de estudar as literaturas antigas e modernas, versando, com mão diurna e nocturna, as páginas diferentes de quantos poetas têm ornado com a sua dolorosa glória as paredes nuas de este triste mundo. «Deus longo cais em mim» é uma sensação directa, de origem imaginativa, sem dúvida.» A agudeza das considerações de Pessoa torna-se mais evidente quando lemos na íntegra o poema de Guisado: «Deus, longo cais em mim, donde outras naus singrando/ Conduzem para o Longe o meu não-existir./ Morena, Salomé, entre vitrais bailando./ Arcadas-sensações transpondo o seu Sentir.// Fita paisagens-Ânsia em suas mãos cansadas,/ Paisagens a sonhar castelos nunca erguidos./ E os lábios percorrendo em lume os seus sentidos,/ Cismam príncipes-Cor descendo das arcadas.// Há entre Ela Deus o corpo de João./ E em seu olhar, dormindo um bronze de oração,/ É sombra do bailado um inclinar de palma.// Baila seu Corpo ainda. E Deus nos seus bailados./ Bailados-asas, longe, em capitéis bordados,/ Gestos de Deus caindo entre molduras-Alma!».

 

Fernando J.B. Martinho

 

Bibliografia: Estudo introdutório de Urbano Tavares Rodrigues a Tempo de Orfeu, Lisboa, Portugália Editora, 1969; José Carlos Seabra Pereira, “Trajectória Estética e Temática Maior da Poesia de Alfredo Pedro Guisado”, Do Fim-de-Século ao Tempo de Orfeu, Coimbra, Livraria Almedina, 1977, pp. 161-199; Introdução de António Apolinário Lourenço a Tempo de Orfeu, ed. de A.A. Lourenço, Coimbra, Angelus Novus, 2003.