Inicialmente, uma breve consideração acerca de Fernando Pessoa.

Aos sete anos (janeiro 1896), após novas núpcias da mãe, ele vai viver em Durban, na África do Sul, de onde só retornará definitivamente à pátria em agosto de 1905. Atente-se para o fato de, na puberdade e adolescência, o jovem ter recebido uma educação escolar inglesa, vitoriana. Ganhou o Prêmio Rainha Vitória de ensaio em inglês, familiarizou-se com os autores da literatura inglesa e norte-americana e estudou história universal sob o ponto de vista inglês. Não admira, pois, que, tendo recebido uma educação tão diferente da dos escritores de sua pátria, que sempre privilegiou a cultura francesa, e vivido anos decisivos de sua formação na cosmopolita Durban – porto do Oceano Índico e encruzilhada de povos e de culturas – ele deles se tenha distinguido e realizado uma aventura poética tão singular. Significativo também é lembrar que viveu quase dez anos perto do Cabo da Boa Esperança, então domínio inglês, e que por quatro vezes atravessou esse ponto crucial da navegação, espaço da maior façanha náutica de seu povo. A escrita de sua obra teve a ver com tudo isso.

Se lembrarmos que T.S.Eliot (1888-1965), poeta inglês naturalizado americano, nascido no mesmo ano que Pessoa e  também educado em escolas vitorianas, formulará análoga poética da despersonalização, poderemos levantar a hipótese de que a aventura poética pessoana estava próxima da tradição cultural inglesa, constituindo-lhe uma espécie de prosseguimento natural, embora não devamos deixar de discernir em António Nobre um  precursor endógeno. O fato é que Pessoa, terminados os estudos em Durban e desfeito o sonho de ganhar bolsa para cursar uma universidade na Inglaterra, escolhe voltar para Portugal e escrever sua obra em português. Nela, porém, se encontramos um eu bilíngüe, encontramos igualmente um eu dividido entre duas línguas, culturas e  mentalidades.

Isso posto, consideremos que Fernando Pessoa vai além da poética da despersonalização, preconizada por Eliot. Quando, em trechos de prosa, afirma que desde tenra infância nele se manifestara uma tendência para criar personagens imaginárias, a obra por ele legada permite concluir que dela soube tirar bom partido  e com ela arquitetou uma das mais impactantes construções da literatura universal, a que denominou heteronímia. Essa poética, à qual também se referia como poesia dramática, praticada de modo radical e sistemático, foi o modo genial que inventou de não ser apenas um gênio-para-si-mesmo ou o da mansarda (poema Tabacaria, de Álvaro de Campos). Mais. Sucede que essa singular poética não é apenas uma poética do impacto, mas uma poética grávida de poéticas, pois cada heterônimo – bem como o ortônimo – apresenta-se com a sua e cada um é criação radical e original, criação-limite, causadora, por sua vez, de impacto. Essa poética grávida de poéticas é, no final das contas, uma poética grávida de impactos.

Para cada heterônimo, Pessoa criou uma breve biografia. Assim, a ficção Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 1889 e morreu aos 26 anos, em 1915, de tuberculose, embora haja poemas, a ela atribuídos, datados posteriormente à sua morte. Ao apresentá-la, Pessoa diz que Caeiro só teve educação primária e viveu sempre com uma tia-avó, no campo. A esse heterônimo, sobre o qual Pessoa disse que era a sua despersonalização máxima, estão atribuídos três conjuntos de poemas: O guardador de rebanhos(1911-1912), O pastor amoroso e Poemas inconjuntos (1913-1915), reunidos sob título de Poemas completos de Alberto Caeiro, livro que, em vida de Pessoa, nunca foi publicado. Tais Poemas completos, desde a 1ª edição da Obra poética, em volume único, pela José Aguilar Editora (1960),abrem as Ficções do interlúdio, denominação que Pessoa, segundo papéis do espólio, planejara dar ao conjunto dos poemas Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Chamado de Mestre pelos outros dois heterônimos, pelo ortônimo e pelo quase-heterônimo António Mora, Alberto Caeiro é um membro da coterie inexistente (FP, Obras em prosa, 1976, pp.96-7), concebido para estar numa espécie de show room e ser mostrado, poema a poema, nos mínimos detalhes e na mais variada gama de situações. Assim, progressivamente, patenteiam-se suas idéias a respeito das grandes questões cosmológicas, metafísicas, epistemológicas, éticas, estéticas, antropológicas, políticas, sociológicas, lingüísticas, literárias e religiosas, o que, de fato, é espantoso para quem fez apenas estudos primários. À medida que delas tomamos conhecimento, vamos recebendo impacto sobre impacto, até que, mais avançados na leitura, nos acostumemos ao ethos dessa personagem, que se diverte gastando paradoxos à maneira inglesa, provocando os leitores com afirmações e negações radicais e surpreendendo ao enunciar aforismos desafiadores, mesmo quando afirme não pretender mudar coisa alguma à sua volta. Um dos êxitos de Pessoa na criação dessa personagem consiste em que, à primeira, segunda, terceira e mais vistas, ela passe impressão de afabilidade, mansidão e simplicidade, enquanto seu discurso, se analisado com detenimento, se demonstra profundamente polêmico, contestador e até agressivo.

Mal lemos o título do 1º livro de poemas, O guardador de rebanhos, somos colhidos pelo primeiro verso do poema I, que o “desmente”: Eu nunca guardei rebanhos. A contradição pode levar a sorrir, mas, em geral, estimula à leitura. Damo-nos conta de que estamos e não estamos lidando com um guardador de rebanhos, ou melhor, que a voz poética Alberto Caeiro não quer e não pode ser lida de modo ingênuo.

Percorrendo o espólio pessoano, na Biblioteca Nacional, encontramos vários programas de reimplantação do paganismo, em que António Mora seria o teórico do novo paganismo e Caeiro estava incumbido de trazer A nova Revelação (documento 71 A-2), o que lança luz sobre a denominação Mestre, com que as demais figuras pessoanas a ele se referem. No esboço do programa “O Movimento Pagão Portuguez” entramAntónio Mora (O Regresso dos Deuses), Ricardo Reis (Odes I a L e Novas Odes, em quantidade), liderados pelos Poemas Completos de Alberto Caeiro (cf. 26-6) e, no 12-A, Mora afirma: Era preciso, para que pudesse renascer o paganismo, que começasse por aparecer um pagão. Era preciso um homem cuja alma fosse pagã, para que espontaneamente revelasse à sensibilidade o paganismo, e que outros podendo isto adotarem, dariam a forma intelectual(...). Sem dúvida, se o destino quisesse que assim fosse o faria. O Destino o fez. Aparece Alberto Caeiro. (...)

Outro documento, atribuído a Mora, é ainda mais radical: para nos dar a substância absoluta do pagão tinha Caeiro que ser mais pagão que os pagãos, mais puramente que eles. É-o(...)(12-A – 12).

Alberto Caeiro foi, portanto, concebido como intimamente ligado à esfera religiosa e iconoclasta em relação ao cristianismo. Não surpreende que, em 1980, seus Poemas  tenham sido analisados e interpretados numa tese (publicada, em 1985, pelo Centro de Estudos Pessoanos do Porto) dentro da tradição da poesia da Natureza, como o contestador da visão cristã consubstanciada no Cântico do sol de São Francisco de Assis. Caeiro, também chamado por António Mora de grande Pan (12 A -19), tinha de ser um arquétipo de paganismo, porque deveria destruir a visão cristã da Natureza, em que é fundamental a abertura para a transcendência e reimplantar a pagã, fundamentalmente encerrada na imanência. Para isso, recorreu aos mais variados recursos da arte de polemizar e persuadir como situações dialogais e pseudodialogais, indagações, apartes em orações parentéticas, comparações simples, comparações de tipo épico, ironias, sátira, paródias, paradoxos,alegorias, bem como das mais variadas figuras de repetição, anáforas, epíforas, diácopes, paralelismos, gradações, enumerações, quiasmos, recursos de estrofação e até mesmo do pulsar da ordem que imprimiu aos poemas.  

Outra leitura, de 1982, aproxima Caeiro do Zen budismo.

Foi observado que os poemas Caeiro seriam escassos em tropos. Porém, se atentarmos para a abundância de recursos retóricos que a personagem utiliza nas suas polêmicas, não poderemos afirmar isso tão rotundamente. Sua poesia é rica nas “figuras de pensamento”, das quais constitui um bom exemplo nas primeiras décadas novecentistas. 

Na gênese do heterônimo está também cerrada polêmica contra os excessos a que, no Ocidente, havia chegado o pensamento racionalista moderno. A poesia Caeiro o combate com radicalismo igual e contrário, opondo-lhe propostas sensacionistas e existencialistas, quando o pensamento existencialista ainda estava nos alvores.

O poema de abertura de O guardador abre a querela com descendentes oitocentistas de Descartes quando Caeiro, ao apresentar-se, diz que sua tristeza é natural e justa /E é o que deve estar na alma /Quando já pensa que existe. Pensar, para Alberto Caeiro, não é a primeira evidência sobre a qual é possível erguer todo um sistema filosófico, mas fonte de tristeza, um “desmancha prazeres” existencial. Para o guardador que, desde o  poema I se auto-apresenta como poeta, as idéias têm de ser bem controladas, para não se extraviarem e extrapolarem: são elas que constituem seu rebanho. Fica, então, esclarecido o título do conjunto: o guardador de rebanhos é metáfora do poeta, cujo modo de criação obedece a um rigoroso ascetismo; assim como ascetas religiosos se exercitam na guarda dos sentidos, imaginação e memória, o poeta Alberto Caeiro se exercita numa rigorosa guarda de suas idéias e é por essa razão que prefere a denominação guardador a pastor.

O 2º  livro dos Poemas completos receberá o título de O pastor amoroso, precisamente porque, ao enamorar-se, o guardador perde a guarda de seus pensamentos, perde a atenção voltada ao mundo exterior, interioriza-se e passa a pensar demasiado na amada: toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. Este livro também responde a uma necessidade pedagógica. O heterônimo não quis omitir a experiência do amor porque todos os homens, de algum modo, passam por ela e, na exaustiva descrição, que os poemas realizam,  das experiências vividas da consciência, ela não deveria faltar.Mas, o balanço é negativo: no primeiro poema, dirige-se à amada, mas, ao invés de declarar-lhe seu amor, o que predomina em sua fala é um explicar-lhe que ela não interferiu em seu amor pela Natureza. É como se a mulher amada fosse a “outra”, que se interpôs numa relação que, até então, era exclusiva e ele, sentindo-se  de algum modo infiel ao seu primeiro grande amor, precisasse justificar-se. No quarto poema, declara: O pastor amoroso perdeu o cajado, / E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta, E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar. / Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado.

A poesia Caeiro até pode passar a impressão de espontânea, mas essa espontaneidade é pura aparência, pois ela é extremamente calculada e não deixa de ser irônico que invective tanto os excessos do pensar e se singularize pela abundância de figuras de pensamento.

 Não cabia a Caeiro, que só cursara o primário, o teorizar sobre o papel e a importância do ver. Notemos que nos Poemas completos, apenas feita, no poema I, a primeira etapa da auto-apresentação do guardador, logo no seguinte, o heterônimo vai ocupar-se de caracterizar o seu olhar, nítido como um girassol.

O dar importância à descrição de seu modo de olhar a realidade exterior, neste e noutros poemas, tem sido aproximado do pensamento fenomenológico de Husserl (1859-1938). Os poemas de O guardador são contemporâneos à publicação das primeiras obras do filósofo alemão, o que permite considerar que, enquanto Husserl formulava sua filosofia, Fernando Pessoa/Alberto Caeiro, por seu lado e independentemente, realizava o fazer poético da descrição das experiências vividas da consciência, como se pode ver em seus poemas e, especialmente nos XXIV e XLVI, nos quais, como o filósofo, propõe uma aprendizagem de desaprender.

O guardador vê com nitidez, é solar como o girassol e sente-se nascido a cada momento/Para a eterna novidade do Mundo... Vemos, nesses versos, que sua polêmica não se dá só com cristãos, racionalistas e idealistas, mas também com românticos, decadentes e simbolistas que, a partir das décadas finais do XVIII e principalmente no XIX, apropriaram-se da Natureza, subjetivando-a, antropomorfizando-a, fazendo-a partícipe de seus mutantes estados de alma. Dirige-se a poetas que padeciam do “mal do século”, em suas várias formas: tédio, mesmice, spleen, ennui. Sem nomeá-los, Caeiro vai apresentando sua “saúde em existir” e, a modo de antídoto, sua sabedoria existencial. Para não ser vítima da epidemia de tédio importava saber ver o mundo exterior, cada coisa em sua individualidade e novidade, maravilhar-se por ela existir. No seu radicalismo pedagógico, preconizava ver o Mundo (com maiúscula, pois, para ele, não havia valores maiores que os imanentes) sem pensar nele, amar a Natureza: Amar é a eterna inocência, /E a única inocência não pensar... Inocente seria quem não estava envenenado pelo pensar. Afirmações rotundas, aforísticas, que exigem ter presente aquele contexto europeu da virada do XIX para o XX, pois só diante das exacerbações a que tinham chegado racionalistas, idealistas e decadentes, entende-se que Caeiro reaja com tal radicalidade igual e contrária.

Outro poema, dedicado a tornar mais clara e contundente  sua posição relativa ao pensar é o de número IX, em que o guardador afirma a identidade entre seus pensamentos e suas sensações. Pessoa deu o nome de sensacionismo ao modo caeiriano de conhecer a realidade e de expressá-lo em poesia. No pensamento moderno, o filósofo inglês Locke (1632-1704) e o francês Condillac (1715-1780) foram os propositores da doutrina sensacionista ou sensualista, que, na sua radicalidade, considera todo o conhecimento  como proveniente das sensações e somente delas.

No poema V de O guardador, Caeiro põe a metafísica na berlinda e desautoriza suas magnas questões, entre as quais a da existência de Deus. Afirma amor incondicional pelos seres do mundo mineral e vegetal, mas sem considerá-los Deus ou Divinos, nem admitir ser chamado panteísta. E, no poema VIII, sobre o qual Pessoa se referiu em texto de prosa, dizendo tê-lo escrito com sobressalto e repugnância pela sua blasfêmia infantil e antiespiritualismo absoluto, apresenta o “seu” Menino Jesus, que não tem nada a ver com o dos relatos do Evangelho e consiste num arquétipo da infância e de seu viver lúdico.

Alberto Caeiro se autodenomina “o Descobridor da Natureza” no poema XLVI e, no seguinte, afirma que não há Natureza, / Que Natureza não existe, / Que há montes, vales, planícies /(...)Mas que não há um todo a que isso pertença,/Que um conjunto real e verdadeiro/É uma doença das nossas idéias. Conclui: A Natureza é partes sem um todo. No doc.14B-25 do espólio, Pessoa afirma que esse poema, o XLVII, no qual recusa a visão organológica da Natureza e propõe uma fragmentária, é o poema principal de  Caeiro. Isso não o impede de, no livro Poemas inconjuntos, lamentar que o homem não tenha adquirido um sentido a mais, além dos da visão e da audição, que seria um sentido do “conjunto” das coisas e de assim fechar o poema: da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.

Para nomear o 3º livro, Caeiro cria o neologismo “inconjunto”  (in = negação, privação + o particípio passado conjunctus = junto, ligado, unido), cujo significado é: o que não está ligado,  não forma um conjunto. Novo paradoxo: por um lado, ao reunir uma série de poemas sob um mesmo título, forma-se um conjunto;  por outro lado, o título declara que esses poemas não formam um conjunto. Assim como no poema XLVII de O guardador, Caeiro havia dito que A Natureza é partes sem um todo, agora diz que os poemas desse novo conjunto são partes sem um conjunto, são avulsos; estão juntos, mas são inconjuntos.

 Retomam-se, neste conjunto inconjunto, temáticas já abordadas e discutidas no 1º: a  inutilidade da ação humana para alterar a ordenação fatal do mundo, o desprezo votado aos que levam a vida / A querer inventar a máquina de fazer felicidade!, a recusa de uma hierarquia entre os seres  da natureza e a afirmação de que o pensar é uma doença só dos humanos que, sob esse prisma, os torna inferiores às pedras, regatos e plantas. Por um lado, Caeiro ironiza o pregador de verdades dele e, no seu fatalismo pagão, afirma que haver injustiça é como haver morte, que ele nunca daria um passo para alterar/ Aquilo a que chamam a injustiça do mundo. Por outro lado, também é um pregador de verdades dele e luta com afinco para persuadir, repisando-as através das figuras de repetição.

Entretanto, o que o jogo intratextual da heteronímia mostra, é que Ricardo Reis, apesar de chamar Caeiro de Mestre, é discípulo só parcialmente: ama a Natureza, ama o viver lúdico da infância, mas está desprovido da placidez caeiriana diante do fluir do tempo e conseqüentes perdas. Reis teme a morte e angustia-se pela condição mortal dos homens. Álvaro de Campos, por sua vez, apesar de amar e reverenciar o Mestre, exaspera-se por não conseguir viver seus ensinamentos: em termos cristãos diríamos que lhe falta a “graça” para os pôr em prática. Concorda com o Mestre, mas diz: Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. (Obra poética,1972, p.369). Sobre as figuras do jogo heteronímico, Pessoa uma vez disse: forma cada uma uma espécie de drama; e todas elas juntas formam outro drama (Presença, no17, Coimbra, dezembro 1928, p.10): o drama da alteridade, ou seja, da liberdade.

Acrescentemos um elemento que Pessoa, em carta de 13/1/1935, a Adolfo Casais Monteiro, apontou como relacionado à gênese do heterônimo Alberto Caeiro: seu desejo de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada (...)(Obra poética, 1972, p.698). Com efeito, Caeiro constitui uma antítese do poeta de Partida, bem como de Álvaro de Campos ou do ortônimo, um paradigma de saúde em existir que, ou a título de partida ou de antídoto, Pessoa apresentou ao amigo, mas que, pelo visto, não lhe foi de valia. O Mestre expôs a doutrina, mas cada um dos interlocutores/discípulos seguiu seu próprio caminho. O sobrenome Caeiro, tão próximo de Carneiro, e os 26 anos de vida que Pessoa resolveu conceder-lhe não teriam nada a ver com os 26 anos de idade que Sá-Carneiro tinha quando partiu?

Para concluir, parece que o balanço final da criação heteronímica e da obra pessoana em geral consiste numa enorme afirmação de liberdade. Liberdade na criação ousada de cada heterônimo e liberdade no jogo dramático que formam entre si, onde vemos a independência dos discípulos em relação ao Mestre. Não será, pois, que a mais adequada formulação da poética pessoana, apesar de Pessoa ter declarado um dia não acreditar em nenhum fragmento da liberdade humana (Obra poética, 1972, p.197), é que toda sua obra se constrói sobre e revela uma poética da liberdade?

 

                                                     Maria Helena Nery Garcez

USP

Garcez, Maria Helena Nery – Alberto Caeiro/“Descobridor da Natureza”? Porto, Centro de Estudos Pessoanos, 1985.

Seabra, José Augusto – Fernando Pessoa ou o poetodrama.Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1988.

Severino, Alexandrino – Fernando Pessoa na África do Sul. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983.