A revista A Águia foi lançada em dezembro de 1910 no Porto, dois meses depois da proclamação da República. Sua primeira série, de propriedade de Álvaro Pinto, foi composta por 10 números, e congregou vários intelectuais - entre os quais Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e António Sérgio - que fundaram, no final de 1911, a Renascença Portuguesa. Esta sociedade, já em janeiro de 1912, lançou a segunda série da revista, que durou até outubro de 1921. Os últimos números desta série -  a partir do duplo 101-102, de maio-junho de 1920 - foram publicados no Rio de Janeiro pela editora Anuário do Brasil, fundada por Álvaro Pinto que havia emigrado para esta cidade.

Os diretores da segunda série foram, até 1916, Teixeira de Pascoaes, António Carneiro e José Magalhães e, a partir de 1917, António Carneiro e Álvaro Pinto. A terceira série, dirigida por Leonardo Coimbra, foi de julho de 1922 a dezembro de 1927. A quarta, de janeiro de 1928 a dezembro de 1930, foi dirigida por Leonardo Coimbra, Teixeira Rego e Hernani Cidade. A quinta, a última da revista, publicada de janeiro a julho de 1932, teve como diretores Leonardo Coimbra e Sant’Ana Dionísio.

Entre os frutos desta publicação, destacam-se as revistas Seara Nova, cuja origem, em 1921, foi fruto de uma dissidência dentro da Renascença Portuguesa, e a carioca Terra de Sol, publicada em 1924 e 1925, dirigida por  Álvaro Pinto e por Tasso da Silveira, que se tratou de um periódico que tendo uma estrutura gráfica muito próxima à de A Águia, foi um grande sucesso editorial no Brasil.

A segunda série foi a mais duradoura e a mais importante da revista. Teve mais de 240 colaboradores, dentre os quais se destaca um pequeno grupo de intelectuais com participação mais sistemática: Teixeira de Pascoaes, António Sergio, Visconde de Vila-Moura, Jaime Cortesão, José Teixeira Rego, Augusto Casimiro, Leonardo Coimbra, Mário Beirão, Virgilio Correia, Philéas Lebesgue.

Nos dezoito primeiros números da série – publicados de janeiro de 1912 a junho de 1913 – A Águia foi um dos principais órgãos do Saudosismo, movimento liderado por Teixeira de Pascoaes e que, neste primeiro momento, contou com o apoio de alguns nomes centrais na revista, como Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra e Augusto Casimiro.

            No período subseqüente – que engloba os seguintes dezoito números, publicados de julho de 1913 a dezembro de 1914 – a discussão sobre o país, central para o Saudosismo, ainda será um tema recorrente, mas estará principalmente centrado na polêmica entre Teixeira de Pascoaes e António Sérgio. Nestes números as idéias saudosistas passam a ser defendidas quase que exclusivamente por Pascoaes, sem que com isto outras imagens do país, excetuando-se as elaboradas por Sérgio, venham a ganhar destaque.

            Nos números subseqüentes ocorre uma diluição da problemática nacional, que deixa de ser um tema recorrente. Até o número 55, de julho de 1916, o tema ainda persiste, mas recorrentemente vinculado à participação de Portugal na Primeira Grande Guerra, possível saída para os problemas do país. É mesmo publicado um número triplo, o 52-54, totalmente dedicado a esta questão, no qual participam todos os principais colaboradores da revista, com a exceção de António Sérgio, que era contrário à entrada de Portugal no conflito.

A partir do número 56, os poucos textos em que a questão nacional aparece têm como característica propor a melhora do país através da adaptação de modelos estrangeiros. Por fim, a partir do número duplo 101-102, como indicamos, A Águia passa a ser impressa no Brasil, o que acarreta uma última mudança no perfil desta série, já que os assuntos ligados a este país passam a ocupar um espaço bastante significativo, bem maior do que aqueles dedicados à situação portuguesa.

Foi durante a segunda série, e mais precisamente no período em que o Saudosismo ocupou um espaço central na revista, que Fernando Pessoa nela fez a sua estréia literária, publicando os artigos sobre a nova poesia portuguesa: “A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente”, em abril de 1912, “Reincidindo” em maio do mesmo ano, e “A Nova Poesia Portuguesa no seu Aspecto Psicológico” publicado em três partes, nos meses de setembro, novembro e dezembro de 1912. Publicou, ainda, “As caricaturas de Almada Negreiros”, em abril de 1913 e, em agosto do mesmo ano, “Na floresta do alheamento”, texto que é apresentado como "Do Livro do Desassossego em preparação". Dos escritores que viriam a participar de Orpheu, também Mário de Sá-Carneiro e Armando Cortes Rodrigues colaboraram na revista. O primeiro publicou em maio de 1913 “O homem dos sonhos”, em agosto do mesmo ano “O fixador de instantes” e, em fevereiro do ano seguinte, “Mistério”, todos contos que depois apareceriam em Céu em fogo. Já o segundo publicou, em março 1913, o poema “Sinfonia do Amor”.

Para entendermos a participação de Fernando Pessoa na revista, é importante assinalar que, antes de ter publicado seus artigos, já Teixeira de Pascoaes havia apresentado dois textos fundamentais para as propostas saudosistas: o "Renascença", que abre o primeiro número da segunda série, e o "Renascença (o espírito da nossa raça)", que abre o segundo número, e complementa as idéias antes apresentadas. Estes artigos partem de uma percepção temporal sobre o destino português que já então possuía uma larga tradição: o país teria tido um passado grandioso, encontrar-se-ia num presente decaído, mas em que, ao mesmo tempo, seria possível verificar-se a esperança de um futuro de novo grandioso, em que o passado seria, de alguma forma, reconquistado. Para Pascoaes este futuro grandioso já havia começado, e a decadência, ainda existente, era na maior parte fruto do estrangeirismo que assolava o país. Seria necessário aproximar os portugueses da alma nacional, da qual estavam afastados pelas más influências literárias, políticas e religiosas vindas do estrangeiro, para que o renascimento nacional pudesse se consumar. O que lhe dava certeza de se encontrar em um momento genésico não era proclamação da República, uma simples mudança de forma de governo, mas principalmente a nova poesia produzida no país, em que a Raça Portuguesa principiava a sentir-se verdadeiramente revelada. Era necessário desvelar, principalmente através de uma educação tipicamente nacional, esta alma portuguesa a toda a nação, e assim Portugal, afirmava Pascoaes, dentro do seu carácter, das suas qualidades íntimas e originais que lhe dêem relevo e destaque, fisionomia própria entre os outros Povos poderia ressurgir.

A Saudade ocuparia, neste processo, um lugar central: “A Saudade é o próprio sangue espiritual da Raça; o seu estigma divino, o seu perfil eterno. Claro que é a saudade no seu sentido profundo, verdadeiro, essencial, isto é, o sentimento-idéia, a emoção refletida, onde tudo o que existe, corpo e alma, dor e alegria, amor e desejo, terra e céu, atinge a sua unidade divina. Eis a Saudade vista na sua essência religiosa (...). É na saudade revelada que existe a razão da nossa Renascença; nela ressurgiremos, porque ela é a própria Renascença original e criadora”[1].

É possível, dado este contexto, melhor entender os artigos sobre a nova poesia portuguesa. Como podemos deduzir das “Vinte Cartas de Fernando Pessoa", publicadas por Álvaro Pinto, estes artigos não foram escritos a partir de um plano preexistente, mas elaborados de forma gradual, de abril a dezembro de 1912[2]. Alguns indícios mostram que Pessoa, enquanto elaborava seus textos, não tinha uma idéia clara da forma que a obra, em seu conjunto, possuiria. Não há, por exemplo, nos artigos sobre o aspecto sociológico da nova poesia, publicados em abril e maio,  nenhuma referência ao fato de eles serem parte de um plano mais amplo, o que só viria a ser afirmado em setembro, no texto sobre "A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico". Neste Pessoa considera que qualquer fenômeno literário pode ser analisado sob três aspectos: “o psicológico, o literário, e o sociológico” (...), e afirma que “nossa análise da atual corrente literária portuguesa (...) só ficará completa, quando, neste escrito e em outro, juntarmos à análise sociológica uma dupla análise complementar, primeiro psicológica, e literária depois” [3]. Três meses depois, quando publica a última parte deste longo artigo, voltará a contra-raciocinar, e afirmará que “Por inútil para as conclusões sociológicas que unicamente buscamos nesta série de artigos, abandonamos a intenção de fazer o estudo exclusivamente literário da nova corrente poética portuguesa, estudo este prometido no princípio deste artigo. Ninguém perde com isso”.[4]

            Esta lenta gestação de artigos que foram sendo escritos enquanto outros, importantes para o movimento saudosista, iam sendo publicados nas páginas de A Águia, permite-nos supor que nos textos de Pessoa encontram-se marcas de um diálogo que se estabelece entre as suas próprias concepções e aquelas que eram defendidas pelos demais integrantes da Renascença.           Já em seu primeiro artigo, Pessoa tenta delimitar o que o aproxima e o distancia de Pascoaes: "Tudo isso, que a fé e a intuição dos místicos deu a Teixeira de Pascoaes, vai o nosso raciocínio matematicamente confirmar"[5]. Se este trecho indica que existem visíveis semelhanças entre as profecias de Pascoaes e os raciocínios de Pessoa, também poderemos encontrar diferenças importantes.

            É através de uma comparação entre os períodos áureos das literaturas inglesa e francesa com literatura portuguesa que Pessoa constrói o seu raciocínio, mostrando, por um lado, uma evidente homologia entre o início daqueles dois períodos e a poesia portuguesa de então, e, por outro, que estes dois períodos antecederam momentos em que estes países criaram valores fundamentais para toda a civilização  - o governo popular na Inglaterra e a democracia em França -, o que implicaria que uma criação de semelhante grandeza seria gerada, em um curto espaço de tempo, em Portugal.

            Se aqui temos a esperança, ou mesmo a certeza, dado o rigoroso raciocínio montado, de um futuro e breve reerguimento de Portugal, toda a mitologia em torno da Saudade está ausente. Ela não é necessária para o raciocínio pessoano e, portanto, a grande criação portuguesa pode não ter nenhuma relação com este sentimento. Além disto, Pessoa desvaloriza um elemento fundamental no raciocínio pascoalino, o da necessária cruzada educativa para que o povo português reencontrasse a alma nacional, na medida em que prega quase uma não ação: “Por enquanto abstenhamo-nos de agir, a não ser negativamente (...). A hora da ação ainda não chegou. Primeiro virá a teoria política da época. Depois virá o pô-la em prática”[6].

            Assim, se Pascoaes e Pessoa estão convencidos do grande futuro que cabe a Portugal, futuro este que é anunciado, por motivos diversos para cada um deles, pela literatura de então, eles propõem ações diversas para a transformação do presente: enquanto para o primeiro é a pregação nacionalista a via de acesso ao futuro, para o segundo praticamente nada precisa ou pode ser feito, pois o futuro já está determinado, Portugal está fadado a ser grande, pois está dentro de um processo que fatalmente o levará a isto. 

            Estas diferenças ocorrem pois eles fazem leituras distintas não só de seu presente, mas do próprio processo histórico em que este presente se insere. As noções de decadência e regeneração, fundamentais na pregação pascoalina, estão ausentes do raciocínio pessoano. O passado remoto de Portugal não interessa a Pessoa, seu raciocínio depende apenas das homologias que encontra entre a corrente literária atual e os momentos áureos da França e da Inglaterra. Apenas o passado recente é importante, e mesmo este só porque nele, em homologia com os movimentos dos dois outros países, encontra precursores para o movimento poético atual em Antero de Quental e António Nobre.  De forma semelhante, se seu artigo também é nacionalista e contrário ao estrangeirismo, estes termos não possuem os mesmos valores que possuíram nos artigos de Pascoaes. Este binômio não está associado ao movimento decadência/regeneração, mas apenas demonstra que existe uma homologia entre o nacionalismo das poesias francesa e inglesa dos grandes períodos e a então atual poesia portuguesa.

            Se neste momento Pessoa distancia-se significativamente de algumas premissas assumidas pelo autor de Marânus, no seu outro conjunto de textos, o artigo sobre a psicologia da nova poesia portuguesa, publicado de setembro e dezembro de 1912, ele tenderá a se aproximar de algumas concepções saudosistas.

            Já na parte de seu artigo publicada em setembro, após analisar a nova poesia portuguesa e considerá-la absorventemente metafísica, afirma que ela é religiosa, de “uma religiosidade nova, que não se parece com a de nenhuma outra poesia, nem com a de qualquer religião, antiga ou moderna”[7]. Podemos nesta concepção perceber uma aproximação importante com o pensamento pascoalino. Se para este autor a Saudade, criação máxima dos lusíadas, é o gérmen de uma nova religiosidade ocidental, vemos Pessoa atribuir à nova poesia um caráter religioso, aspecto que em nenhum momento dos seus primeiros artigos fora abordado.

            Em outubro, Jaime Cortesão publicará um artigo importante para analisarmos as demais colaborações de Pessoa: "Da Renascença Portuguesa e seus intuitos". Nele considera o misticismo presente na nova poesia como sendo o mesmo que existiu em algumas das principais figuras da história portuguesa, como Nun'Álvares, o infante D. Henrique e Afonso de Albuquerque. Se desta forma consegue mostrar seja que a poesia portuguesa é fruto de características típicas da raça, seja que o advento desta nova religiosidade na poesia é um ressurgimento da alma peninsular que havia ficado em um encantamento de sonho durante alguns séculos, pouco depois virá a demonstrar que esta mesma poesia realiza uma síntese necessária para toda a cultura ocidental. Para tanto citará alguns trechos do livro L'Evolution divine du Sphinx au Christ, de Edouard Schuré, em que é afirmado que a Europa precisa de um novo princípio religioso que "só é possível por uma síntese do princípio cristão e do princípio luciferino"[8], síntese que, para este esotérico francês, deverá ocorrer através da arte. Cortesão, então, afirma: “Na opinião, pois, de Schuré, a Arte portuguesa, saudosista, paganista transcendente, mística-naturalista, ou como lhe quiserem chamar, realiza uma aspiração da Humanidade e está à frente dum grande movimento moderno” [9]

            Esta concepção, que considera a poesia portuguesa como religiosa, eminentemente nacional e, ao mesmo tempo, centro da geração de uma síntese necessária para a cultura ocidental será a perspectiva assumida por Pessoa nas duas outras partes de seu artigo, e em especial na última. Nestas partes, para explicar a nova religiosidade presente na poesia portuguesa, ele faz uma dupla análise: a da linha evolutiva da poesia ocidental e a dos sistemas metafísicos possíveis, a partir das quais conclui que, filosoficamente, a poesia européia chegará ao transcendentalismo panteísta, que, através de alguns exemplos, prova ser  a metafísica da nova poesia portuguesa. A partir disto pode afirmar: “Se a alma portuguesa, representada pelos seus poetas, encarna neste momento a alma recém-nada da futura civilização européia, é que essa futura civilização européia será uma civilização lusitana” [10]

            Ao considerar a poesia portuguesa como eminentemente nacional e decorrência de uma evolução mundial, Pessoa corrobora não só com as idéias de Cortesão mas também com as de Pascoaes, que via na Saudade o centro da nova religião que a Europa necessitava.

            Mais evidente, ainda, da aproximação que ocorre entre Pessoa e as perspectivas saudosistas é a forma como termina o seu último texto, assumindo um topos que encontra no centro da concepção saudosista. Este topos aparece pela primeira vez no poema "O poeta e nau", de Augusto Casimiro, no qual um marujo, ocupando a gávea mais alta de um navio imerso em uma calmaria, afirma "Porque o vento há-de vir aninhar-se nas velas! / Porque a nau voará - tocará nas estrelas!...", ao que o eu lírico acrescenta: "-O marujo é Poeta - e a nau... Portugal!"[11]. Em outro poema, este de Jaime Cortesão, "Regendo a sinfonia da tarde", o eu lírico conclama os portugueses a embarcar "Para as Índias sem fim", pedindo para si, por ser poeta, "a mais alta gávea"[12]. Nestes dois poemas começa a ser configurada a visão dos poetas como navegantes que, em sua poesia, executam uma nova navegação em que a missão portuguesa, interrompida no passado, é retomada e enfim completada. No nono número desta série esta perspectiva será ampliada. Jaime Cortesão assim termina o seu artigo "Da Renascença Portuguesa e seus intuitos":

            Para nós a idéia da Renascença envolve, sim, uma idéia de ensimesmação no Espírito da Raça, guardado em muitos monumentos do Passado, mas não implica de forma alguma repetição ou reacção intelectual ou religiosa. Não: a Árvore da Raça para que dê novos e belos frutos escusa de vergar os ramos até ao chão; mas tem de entranhar bem as raízes na Terra Mãe, banhar-se na seiva original e então os ramos subirão a perder de vista e as naus da aventura, instrumento do nosso Destino, hão de ir no Céu à Descoberta das certezas divinas.[13]

            Esta esperança de retomada das caravelas, em uma nova missão em busca de uma Índia sem fim ou das certezas celestes também aparece explicitamente nos poemas "Versos da Aleluia", publicado no número de julho, e  "A Primeira Nau", publicado em outubro, ambos de Augusto Casimiro, em que novamente estará presente a imagem dos poetas pilotando as novas naus das descobertas.

Por sua vez, Jaime Cortesão, em "Da Renascença Portuguesa e seus intuitos", publicado em setembro, ou seja, no mesmo mês em que Pessoa iniciara o seu texto sobre o aspecto psicológico da nova poesia, afirmara:

 

            Pertence esse esforço de renascimento quase exclusivamente a Poetas? Não é bem certo, ainda que eles predominem na Renascença Portuguesa.

            Mas que fazer? Esperaremos que venham auxiliar-nos livremente os demais Artistas, os sábios e os obreiros de toda a ordem; e até lá procuraremos cumprir o nosso dever segundo as nossas forças e obedecendo à lei das nossas individualidades.[14]

 

            Este trecho de Cortesão acaba por explicitar que o esforço de renascimento se devia quase que totalmente aos poetas. Assim este novo navegar, feito e proclamado pelos poetas, faz do próprio fazer poético e das análises sobre ele na revista realizadas, uma nova navegação em que o país se restaura e lança-se em outros mares em busca de Índias espirituais.

            É justamente esta imagem de uma nova navegação capitaneada por poetas, em busca de uma Índia que não está no globo, que será incorporada por Pessoa no final de seu artigo. Já na penúltima parte de seu texto afirmara  que “a alma portuguesa, representada pelos seus poetas, encarna neste momento a alma recém-nada da futura civilização européia” [15]. Se aqui vê nos poetas os construtores do grande destino que cabe ao país, no último parágrafo de seu texto acaba por reproduzir, em seus termos, a imagem que insistentemente percorreu os textos de Cortesão e Casimiro:

            E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas "daquilo de que os sonhos são feitos". E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente.[16]

            Assim, partindo de uma perspectiva que só em alguns aspectos se assemelhava com a dos saudosistas, Pessoa tenderá, especialmente ao longo de suas colaborações no segundo volume de A Águia, a assumir posturas que o aproximarão de forma clara de alguns dos tópicos centrais defendidos por este movimento. É importante assinalar que alguns destes tópicos, não presentes nos seus dois artigos publicados no primeiro volume, acabarão por ser retomados por este autor em Mensagem. Isto ocorre, por exemplo, com a importância que o eu poético assume em poemas como "A última nau" e o terceiro dos avisos, nos quais a poesia se transforma em anúncio da grandeza que está prestes a acontecer; ou com a visão das navegações como parte de uma missão ainda por se completar, que aparece entre outros no poema "O Infante", em que estas são apenas um sinal de um Portugal que ainda falta cumprir-se; e até mesmo com a visão de uma nova eucaristia em que se dará a consumação dos tempos, presente em "O quinto império". Todas estas construções podem ser vistas como releituras, feitas por Pessoa, de alguns tópicos que foram incorporados às suas reflexões justamente nesta aproximação que, durante o ano de 12, ocorreu entre ele e os outros autores saudosistas que colaboraram em A Águia.

Quando, no final de Mensagem, a voz poética afirma "É a Hora!", ela está a ecoar um encantamento que mais de duas décadas antes, nas páginas de A Águia, o próprio Pessoa e outros escritores como Cortesão, Casimiro e Pascoaes, já haviam proferido. Está a esperar, como já haviam esperado, que a nau-poesia rasure a realidade mesquinha, nela restaurando a perdida grandeza que naufragou nas areias de Alcácer-Quibir.

 

Paulo Motta Oliveira

 

[1]PASCOAES, Teixeira de. “Renascença”. A Águia, 2ª série, Porto, v.1, n.1, p.2, fev. 1912.

[2] “Vinte Cartas de Fernando Pessoa”. Ocidente, Lisboa, v.24, n.80, p.301-317, dez. 1944

[3]PESSOA, Fernando. “A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.9 p.86, set. 1912.

[4] PESSOA, Fernando. “A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.12, p.192, dez. 1912.

[5]PESSOA, Fernando. “A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada”. A Águia, 2ª série, Porto, v.1, n.4, p.106, abr. 1912.

[6]PESSOA, Fernando. “Reincidindo”. A Águia, 2ª série, Porto, v.1, n.5, p.143-144, maio 1912.

[7] PESSOA, Fernando. “A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.9 p. 94, set. 1912.

[8] CORTESÃO, Jaime. “Da Renascença Portuguesa e seus intuitos”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.10, p.123, out. 1912.

[9]CORTESÃO, Jaime. “Da Renascença Portuguesa e seus intuitos”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.10, p.123, out. 1912.

[10]PESSOA, Fernando. “A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.12 p.191, dez. 1912

[11]CASIMIRO, Augusto. “O Poeta e a Nau”. A Águia, 2ª série, Porto, v.1, n.4, p.129, abr. 1912.

[12]CORTESÃO, Jaime. “Regendo a sinfonia da tarde”. A Águia, 2ª série, Porto, v.1, n.6, p.177, jun. 1912.

[13]CORTESÃO, Jaime. “A Renascença Portuguesa e o ensino da História Pátria”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.9, p.79-80, set. 1912.

[14]CORTESÃO, Jaime. “Da Renascença Portuguesa e seus intuitos”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.10, p.124, out. 1912.

[15] PESSOA, Fernando. “A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.9 p.86-94, set. 1912 ; n.11, p.153-157, nov. 1912; n.12 p.191, dez. 1912.

[16]PESSOA, Fernando. “A nova poesia portuguesa no seu aspecto psicológico”. A Águia, 2ª série, Porto, v.2, n.12 p. 192, dez. 1912