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Fernando Pessoa
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BNP/E3, 14A - 70-71
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[Prefácio à tradução inglesa das “Canções” de António Botto]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Prefácio à tradução inglesa das “Canções” de António Botto]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 14A - 70-71]

 

Antonio Botto, though young, is one of the best-known Portuguese poets of to-day. His initial success, as anyone who reads these poems can understand, was a succès de scandale. But he quickly came into his own as something more than the poet who had that sort of success.

His peculiar distinction lies in the subtlety, both expressional and rhythmical, with which he deals with thoughts and feelings which are in themselves never complex. This has made him clear to the general public and dear to the literary one.

Whatever else might be said is sufficiently expressed in Senhor Teixeira Gomes' critical Preface. And it should be noted that, apart from having been Portuguese Ambassador at the Court of St. James and President of the Portuguese Republic, Senhor Manuel Teixeira Gomes is a subtle critic, both of letters and of art, and one of the greatest present-day writers of Portuguese prose. I stress this because, after all, it is, for our immediate case, the real and the truer title.

My translation has been made in the most perfect possible conformity, both expressional and rhythmical, with the original text. This does not mean that the translation is, expressionally and rhythmically, a line-by-line one, thought in many cases indeed it is. But I know the poet and the man so well that even when I have changed I have not altered. I have done my best to have these poems set down in English in the poet's exact style and rhythm, as if he had written them in the language.

There are three points in the poems which require explanation, since they involve strictly Portuguese things, which most English readers would naturally be unacquainted with.

The first point refers to popular Portuguese poetry, the suggestions of which underlie, so to speak, in their simplicity and type of emotion, the subtlety of Antonio Botto's poems. Popular Portuguese poetry is all in seven-syllable quatrains, which the poet himself often writes, inserting them here and there in the generally irregular rhythm of his poems, where the sudden popular regularity brings in a curious contrast. As a matter of fact, and apart from quatrains themselves, seven-syllable lines are constantly recurring in these poems.

The second point is the word Fado which is the title of one poem in Part VII. I have left the word in the original Portuguese because, in the particular sense or senses in which it is here used, it is untranslatable. Apart from this, it figures only

 

[71r]

 

in the title; I have managed what I think an adequate substitution in the text. The word in itself means Fate, being derived directly from the Latin Fatum. In its popular Portuguese use it means, however, two other things. It means, in the first place, prostitution. When a Portuguese woman says “I am in the fate” (Ando no fado) she means that she earns her living as a prostitute. The word also means a slow, sad popular song, originating in, or taken to heart by, the low quarters of Lisbon. These songs refer generally to the life of prostitutes and of their amants de coeur, who are frequently sailors. In Antonio Botto's poem – put into the mouth of a sailor and dealing with prostitution – the word may be said to have both the popular senses.

The third point is the reference to Antonio Nobre in the thirteenth poem of the first part. Antonio Nobre was a remarkable Portuguese poet of the end of the nineteenth century; he died of consumption at the age of thirty-three. He wrote one celebrated book, (Alone), and another, of lesser note, was published after his death. His poetry is full of a sadness and depression which, though not typically, are certainly distinctively Portuguese. His influence was very great and, as anyone will understand, not always favourable. This will explain why, in an orgy, someone, lighting on his book , tore it across.

It should be added, in concluding, that Antonio Botto is not only a poet but also the author of two delightful books of tales for children and a dramatist of distinction. He has written, till now, two plays. One, called Alfama (the name of a low quarter of Lisbon), deals with a typical aspect of life in that part of the city. The other, Antonio, handles in a sad, subtle and dignified way a case of frustrated homosexual love.

 

FERNANDO PESSOA

 

 

[BNP/E3, 14A - 70-71]

 

António Botto, embora jovem, é um dos poetas portugueses mais conhecidos da actualidade. O seu sucesso inicial, como compreenderá qualquer pessoa que leia estes poemas, foi um succès de scandale[1]. Mas rapidamente revelou-se como algo mais do que o poeta que teve essa espécie de sucesso.

A sua distinção peculiar reside na subtileza, tanto de expressão e quanto rítmica, com a qual lida com os pensamentos e sentimentos que nunca são em si próprios complexos. Isto tornou-o claro para o grande público e caro ao público literário.

O mais que possa ser dito encontra-se suficientemente expresso no Prefácio crítico do Senhor Teixeira Gomes. E deve notar-se que, além de ter sido Embaixador Português da Corte de St. James e Presidente da República Portuguesa, o Senhor Manuel Teixeira Gomes é um crítico subtil, tanto das letras quanto de arte, e um dos maiores prosadores portugueses da actualidade. Eu sublinho isto, porque, apesar de tudo, isso é, para o presente caso, o título real e mais verdadeiro.

A minha tradução foi feita na maior conformidade possível, tanto em expressão quanto em ritmo, com o texto original. Isto não significa que a tradução, na expressão e no ritmo, seja feita linha a linha, embora em muitos casos efectivamente o seja. Mas eu conheço o poeta e o homem tão bem que mesmo quando eu modifiquei eu não alterei. Fiz o meu melhor para verter estes poemas para inglês exactamente no estilo e no ritmo do poeta, como se ele os tivesse escrito nessa língua.

Existem três pontos nos poemas que requerem explicação, uma vez que dizem respeito a coisas estritamente portuguesas, com as quais a maioria dos escritores ingleses não se encontrará naturalmente familiarizado.

O primeiro ponto refere-se à poesia portuguesa popular, cuja sugestão reside, por assim dizer, na sua simplicidade e tipo de emoção, a subtileza dos poemas de António Botto. A poesia popular portuguesa encontra-se toda nas quadras de sete sílabas, que o poeta frequentemente escreve, inserindo-as em vários lugares no ritmo geralmente irregular dos seus poemas, em que a regularidade subitamente popular apresenta um curioso contraste. Com efeito, e para além das próprias quadras, nestes poemas existe a ocorrência constante de versos de sete sílabas.

O segundo ponto diz respeito à palavra Fado que é o título de um poema na Parte VII. Deixei a palavra no português original, porque, no sentido ou sentidos particulares em que é usada, ela é intraduzível. Para além disso, ela aparece apenas

 

[71r]

 

no título; eu procedi àquilo que penso ser uma substituição adequada no texto. A palavra em si própria significa Destino [Fate], sendo derivada directamente do latim Fatum. No seu uso popular em português significa, contudo, duas outras coisas. Significa, em primeiro lugar, prostituição. Quando uma mulher portuguesa diz “Ando no fado” ela quer indicar que ganha a sua vida como prostituta. A palavra também significa uma canção popular lenta e triste, originária de, ou cara em, bairros populares de Lisboa. Estas canções referem-se geralmente à vida de prostitutas e dos seus amants de coeur[2] que eram frequentemente marinheiros. No poema de António Botto – posta na boca de um marinheiro e lidando com prostituição – pode dizer-se que a palavra tem ambos os sentidos populares.

O terceiro ponto é a referência a António Nobre no décimo terceiro poema da primeira parte. António Nobre foi um poeta português extraordinário do final do século XIX; morreu de tuberculose aos trinta e três anos de idade. Escreveu um célebre livro, , e outro, menos digno de nota, foi publicado após a sua morte. A sua poesia é cheia de uma tristeza e uma depressão que, embora não tipicamente, são com certeza distintamente portuguesas. A sua influência foi muito grande e, como qualquer um poderá compreender, nem sempre favorável. Isto explicará porque, numa orgia, alguém, iluminando o seu livro , rasgou-o ao meio.

Deverá acrescentar-se, em conclusão, que António Botto é não só um poeta, mas também o autor de dois encantadores livros de contos para crianças e um dramaturgo de distinção. Ele escreveu, até agora, duas peças de teatro. Uma, chamada Alfama (o nome de um bairro popular de Lisboa), lida com um aspecto típico dessa parte da cidade. A outra, António, lida de um modo triste, subtil e digno com um caso de amor homossexual frustrado.

 

FERNANDO PESSOA

 

[1] sucesso de escândalo

[2] amantes de coração

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/3114

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

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Data
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Idioma
Inglês

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
António Botto, Canções, Tradução para o inglês de Fernando Pessoa, Edição, prefácio e notas de Jerónimo Pizarro e Nuno Ribeiro, Lisboa, Guimarães Editora, 2010, pp. 195-198.
Exposições
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