Imprimir

Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14C - 70
Imagem
[Sobre Charles Dickens]
PDF
Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre Charles Dickens]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 14C – 70]

 

Does Dickens’ attraction consist in the rigour or in the exactness of his character-delineation? In the lucidness of his psychological presentation? In the rigour of his analysis of situations and of mental states? It consists in neither. Dickens is no psychologist, no intuitionist; if ever he sees into thought, it is not the microscope of intellect that aids him |but[1] the spectroscope of tenderness|. The charm of Dickens is[2] in the atmosphere of kind that envelops his creations. He sees best into souls where psychologists see worst. His characters do not satisfy intellectually, but they do not not-satisfy; this because their manner of satisfying is other. No one asks: Are they correct, exact? Because the manner of satisfaction they give is not this.

Commonplace in thought, trite and vulgar (in no bad sense) in his philosophy, without real dramatic and still less poetic power, he had the genius that springs from kindness, the intelligence that comes of love.

He had not poetic power, but an infinite poetic intelligence. What can be more poetic than kindness, more poetic than tenderness? Nothing; these are at the soul of poetry and he who looks but for beauty and for splendour is an ill poet[3].

 

[70v][4]

 

Too much beauty tires. Too much splendour aches. Too much imagination awes and sickens. Too much benevolence neither tires nor aches, neither awes nor sickens. There cannot be too much benevolence. Beauty, splendour, wisdom may come too soon, too late. Love never comes too soon, nor too late, though it always goes too soon.

All who know me are aware how profound an enemy I am to the Christian religion. Yet I were blind and hateful if I were to deny that, though its general influence with the prejudice {…} that it gives is bad, nevertheless its central idea, that of altruism, of love, of self-sacrifice, of life-devotion is the greater itself. Could priests and ministers, men who up to now have done much of the evil that hearth has had, but strife their creed of its evil accidents and {…}; could they bid themselves above all, as the Master bid them to do, not to the “letter that Killeth” but to the “spirit that giveth life.”

 

 

[BNP/E3, 14C - 70]

 

A atracção de Dickens consiste no rigor ou na exactidão do seu delineamento de carácter? Na lucidez da sua apresentação psicológica? No rigor da sua análise das situações e dos estados mentais? Não consiste em nada disso. Dickens não é psicólogo, nem intuicionista; se alguma vez ele vê o pensamento, não é o microscópio do intelecto que o ajuda |mas o espectroscópio da ternura|. O encanto de Dickens está na atmosfera de doçura com que desenvolve as suas criações. Ele vê melhor as almas onde os psicólogos vêem pior. As suas personagens não satisfazem intelectualmente, mas também não deixam de satisfazer; isto porque a sua maneira de satisfazer é outra. Ninguém pergunta: eles são correctos, exactos? Porque a forma de satisfação que eles dão não é essa.

Lugar comum no pensamento, banal e vulgar (não no mau sentido) na sua filosofia, sem real potência dramática e menos ainda poética, ele tinha o génio que brota da doçura, a inteligência que vem do amor.

Ele não tinha poder poético, mas uma inteligência poética infinita. O que pode ser mais poético do que a doçura, mais poético do que a ternura? Nada; estes estão na alma da poesia e aquele que busca apenas a beleza e o esplendor é um poeta doente. 

 

[70v]

 

Muita beleza cansa. Muito esplendor dói. Muita imaginação assusta e enjoa. Muita benevolência não cansa nem dói, não assusta nem enjoa. Não pode haver demasiada benevolência. Beleza, esplendor, sabedoria podem vir muito cedo, muito tarde. O amor nunca chega cedo, nem tarde demais, embora sempre vá muito cedo.

Todos os que me conhecem sabem como sou um profundo inimigo da religião cristã. No entanto, eu seria cego e odioso se negasse que, embora a sua influência geral com o preconceito {…} que ela causa seja má, a sua ideia central, a do altruísmo, do amor, do sacrifício de si, da devoção à vida é em si próprio o maior que podemos alcançar. Pudessem os sacerdotes e padres, homens que até agora têm feito muito do mal que o coração causou, apenas purgar o seu credo dos seus maus acidentes e {…}; pudessem eles inclinar-se acima de tudo, como o Mestre mandou que fizessem, não para a "letra que mata", mas para o “espírito que dá vida.”

 

 

[1] but /it is\

[2] is /lies\

[3] for /on\ beauty and for /on\ splendour is an ill drea poet

[4] {…} of the five servants who attended. Strange, bewildering as the matt{…}

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/3225

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Inglês

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, p. 110.
Exposições
Itens relacionados
Bloco de notas