Imprimir

Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14E – 93
Imagem
[Sobre a personalidade literária Frederick Wyatt]
PDF
Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre a personalidade literária Frederick Wyatt]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 14E – 93v]

 

Frederick Wyatt.

 

Of dreamers no one was a greater dreamer than he. He was eternally incompetent to take stock of reality. His attitude before things was always a false and uneasy one, always oscillating from one extreme point of view or manner of action to the other extreme. This concerned just as much and as deeply his fundamental views — if we can speak of the fundamental views of one who had none — as his most trifling actions. It is as possible to consider him an idealist (I use the word in its metaphysical sense) as a materialist: he would be the first to wonder which he was. His political opinions were in a perpetual fluctuation between an excessive anarchism and the arrogance of a thorough aristocrat. In his life — his unreal life as he would have called it sometimes — he was sure to be either of a childish and morbid shyness or of an impetuous and clumsy boldness. The worst was that he was not even consistent in the line of action he chose: sometimes he would shrink into a

 

[93r]

 

a sudden and incongruous shyness in the midst of a recklessly insane act, at others he would suddenly break out from shyness in the strangest and insanest manner.

My great and sincere friendship for him cannot hinder me from being still rather amused on recalling the way several Portuguese poor people — the washerwoman, for instance — used, with a curious and evidently spontaneous community of expression, to refer to him when speaking to me: o seu amigo, coitadinho! (Your friend, poor gentleman!). They would very possibly have been perplexed to explain what the coitadinho (so untranslatably Portuguese!) meant there. But they all felt, in their characteristic warm-heartedness, that there was some inexplicable thing to be pitied about him. Now that I remember this, I cannot omit a still cuter expression that a neighbouring barber once used and which was reported to him and to me and stung him greatly: It is a pity he is not mad; it would have been better like that. It is perhaps the best casual word-portrait of him, in all its indirectness. It stung him, as I easily perceived, because it hit his character off so justly and yet showed how terribly evident even to casual and uninterested dreamers was the suffering he thought he hid in himself from all eyes.

 

 

[BNP/E3, 14E - 93v]

 

Frederick Wyatt. 

 

Dos sonhadores, ninguém era mais sonhador do que ele. Ele era eternamente incompetente para fazer um balanço da realidade. A sua atitude diante das coisas sempre foi falsa e incómoda, sempre oscilando de um ponto de vista ou modo de acção extremo para o outro extremo. Isto reflectia-se tanto e profundamente nas suas visões fundamentais – se é que podemos falar das visões fundamentais de alguém que não tinha nenhuma - quanto nas suas acções mais insignificantes. É possível considerá-lo tanto um idealista (uso a palavra no seu sentido metafísico) quanto um materialista: ele seria o primeiro a questionar-se o que seria. As suas opiniões políticas encontravam-se numa perpétua flutuação entre um anarquismo excessivo e a arrogância de um aristocrata completo. Na sua vida – a sua vida irreal, como às vezes a chamava - ele tinha certeza de possuir uma timidez infantil e mórbida ou uma ousadia impetuosa e desajeitada. O pior é que ele nem mesmo era consistente na linha de acção que escolhia: por vezes ele encolhia-se numa

 

[93r]

 

timidez súbita e incongruente no meio de um acto irresponsável e desvairado, noutras, ele de repente saía da timidez da maneira mais estranha e desvairada.

A minha grande e sincera amizade por ele não pode impedir-me de me divertir ainda um pouco ao recordar a forma como vários pobres portugueses - a lavadeira, por exemplo - costumavam, com uma comunidade de expressão curiosa e evidentemente espontânea, referir-se a ele quando falavam comigo: o seu amigo, coitadinho! Muito possivelmente, teriam ficado perplexos se explicassem o que o coitadinho (tão intraduzivelmente português!) queria dizer ali. Mas todos sentiam, na sua ternura característica, que havia algo inexplicável nele. Agora que me lembro disso, não posso omitir uma expressão ainda mais bonita que um barbeiro vizinho usou uma vez e que foi relatada a ele e a mim e o feriu muito: É uma pena que ele não seja louco; teria sido melhor assim. É talvez o melhor retracto casual dele, em todo o seu carácter indirecto. Isso feriu-o, como eu facilmente percebi, porque atingiu o seu carácter de maneira tão justa e, ainda assim, mostrou quão terrivelmente evidente, mesmo para os sonhadores casuais e desinteressados, era o sofrimento que ele pensava esconder em si mesmo de todos os olhos.

 

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/3871

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Inglês

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Teresa Rita Lopes, Pessoa por Conhecer, Vol. II, Lisboa, Livros Horizonte, 1990, p. 240.
Exposições
Itens relacionados
Bloco de notas