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Fundo
Fernando Pessoa
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BNP/E3, 14-3 – 69-71
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[Sobre o romantismo e o classicismo]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre o romantismo e o classicismo]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 143 – 69-71]

 

Ao pedido, com que V. Exa me honra, de que exponha quais são, a meu ver, a situação actual e a direcção provável da |arte| europeia, vou responder com a brevidade que as circunstâncias impõem e com a lucidez, que o assunto exige. Farei com que a minha resposta verse simplesmente, adentro do género arte, a espécie literatura, pela dupla razão – individual, de que só nessa[1] espécie sou competente para falar; qual, de que, sendo a literatura (pela sua especificidade intelectual) a mais expressiva das artes, o que dela se afirmar implicitamente se afirma da arte no seu |conjunto|. Mas, para evitar engano, devo alertar, in limine, que, onde escrevo arte, que literatura ou a literatura estética sempre literária.)

|Fiel ao meu propósito de ser breve, seja só as linhas gerais, os contornos definidos com que o problema se me apresenta.|

De a Renascença até nós a arte tem seguido um caminho definido, que é o da sua progressiva libertação da disciplina clássica. O fenómeno é sem dúvida a manifestação especial do crescente individualismo que caracteriza a nossa civilização.

Na época entre a eclosão da poesia moderna que se dá com Dante e os seus coevos atá à da sua definição extrema, que é a Romântica declaração dos direitos do artista, o período todo se define pela tendência para equilibrar o sentimentalismo filho do espírito cristão com a disciplina criada da influência pagã.

 

[69v]

 

A tendência nula e vária, conclui um romântico avant la lettre, como Shakespeare, e um poeta como Milton, que podia, em matéria de disciplina da inspiração e ordenação do tema, servir de mestre a Virgílio.[2]

Com o Romantismo esta preocupação (assim manifestada) desapareceu. Aquelas obras clássicas, em cuja influência constante assenta a educação do nosso espírito, passaram, de ser exemplares de disciplina, a ser fontes de emoção. O que era para um Despreaux matéria a imitar, linha e método, passa a ser, para um Hugo, emoção diferente, {…}. Num Virgílio ou num Horácio, o que atrai o homem da Renascença é o que ele ensina a fazer; o que atrai o romântico é o que ele ensina a sentir. No fundo, porque nenhuma tradição se quebra, temos a mesma procura do equilíbrio entre o moderno e o antigo, entre o flutuante da vida actual e o fundamental[3] do passado. Mas onde o homem da Renascença procura equilibrar pela imposição de uma ordem clássica a sua educação “moderna”, o romântico procura equilibrar pela imposição de uma linha de serenidade (fundo emotivo da disciplina) a turbulência da sua emoção. Cada um procura nos antigos o que sente que lhe falta, mas procura segundo o seu temperamento, porque é através do seu temperamento que ele conserva o que lhe falta, é através do que procura que sente o que não possui.

 

[70r]

 

 O que digo do romantismo, podê-lo-ei dizer também das correntes posteriores – o simbolismo, o naturalismo, e o dinamismo (mas fá-lo-á outra) – se estas correntes não forem senão exageros de elementos românticos; e por isso de inevitável consideração, fica do romantismo o que pertencer, e em cuja crítica a certos deles está implícita. Ou estas correntes são puros exageros, sem elementos equilibrados, e existem, puras futilidades, ou simples extravagâncias, para com os poetas, ou como os extravagantes, que as criaram, ou tem um equilíbrio e então, que ser do destino, ter um equilíbrio romântico, e, que tem um equilíbrio à |*revelia|, são românticos.

O que de diferente, no fundo entre a atitude resultante do homem da Renascença, e a do homem do Romantismo? Isto, que um é um intelectual, e o outro um emotivo. Como o primeiro é um intelectual baseia no antigo o seu elemento intelectual, que a disciplina da obra, a ordenação do tema, o suprir integral da feitura. Como o segundo é emotivo, procura no antigo o elemento emotivo, que é a serenidade da lucidez, a emoção directa dos {…} o contacto com a natureza. E a secura dos neoclássicos, em relação ao homem do sentimento, deve perante de aqueles ser intelectual, ou porque estes são emotivos, e a sua seca inteligência, é, como que inteligência, seca em relação à sua pobre emoção. |Paralelamente|, a indisciplina dos românticos, em relação aos não-clássicos, vem de ser emotiva e portanto súbdita das suas {…}

 

[70v]

 

Porque não busca o homem da Renascença ou perde a emoção e não a inteligência? Porque, sendo um intelectual, não procura senão os manifestamente intelectuais. Porque não busca o Romântico ou perde a inteligência. Porque, sendo um emotivo, é forçado por o seu temperamento, a procurar tudo adentro da emoção.

Porque é o homem da Renascença um intelectual, e o homem do Romantismo um emotivo? Porque nas épocas pré-revolucionárias da nossa história, a forte hierarquia social despreza os intelectuais, e no ruir geral dos {…} encontra a {…}

 

Ora no século passado, e desde então crescentemente, um elemento assoberbou a mentalidade europeia. Esse elemento é a ciência. A princípio foi sentida emotivamente, pelas expressões correntes das gentes revolucionárias da Europa. Tudo fez, com o próprio crescer da compostura sua, e como obra expressa dos {…} revolucionários e característicos, a fixar-se com força intelectual. Como, porém, os fenómenos sociais que estimulam o individual, e, portanto, a emoção (que é individual, em oposição à inteligência, que é |geral|), que {…}  perduram, segue que a nossa época se encontra em um estádio, já não intelectual, como a Renascença, já não emotivo, como o Romantismo, mas intelectual-emotivo.

Ora como toda a vida é equilíbrio entre emotividade e integração e a desintegração, e o {…} segue que, para centralizar a arte de hoje, temos de equilibrá-la,

 

[71r]

 

ao mesmo tempo, com aquele elemento intelectual que os da Renascença iam buscar aos antigos, e com aquele elemento emotivo contrário que os Românticos iam lá buscar. Temos que impor a uma entidade fatalmente expressiva, à nossa sentimentalidade secamente subtil e doentia, a dupla disciplina do método clássico e da sensibilidade antiga.

Quer, pois, como[4] quer uma escola recente, que estes elementos (ou antes o quer apenas, o da disciplina e da ordem) podem, é querer que a vida resulte não de um equilíbrio, mas de uma paragem. Cultivemos, sim, a nossa subjectividade assim, requintemos e aprofundemos a nossa subtileza de arte – analisemos o nosso preciosismo de emoções. Mas, ao mesmo tempo, não esqueçamos que a expressão de toda essa subjectividade tem, para a arte, e não conversa escrita, que dever àqueles mesmos intensos de ordenação, de estrutura, e de desenvolvimento, que foi o fulgor dos gregos enunciar à terra civilizada. Nem esquecemos que essa emotividade excessiva, que obteve aquela posse de si através da qual tem de ser {…}, e que, assim pode causar aquela simpleza de ordenação, a que me referi, evocar-se com a serenidade anterior, de colocar-se com o valor que devia de ser insuficiente.

Partindo destas conclusões, com que a arte de um tempo – aquela que fica e valerá – será a forma do equilíbrio da Renascença e do Romantismo, a {…}

 

O resto é o que passa e não fica, a simplicidade da forma estável do morto, inútil {…} de Homero. Esta arte existe já? Nem como um esboço existe ainda.

_______

 

[1] n/d’\essa

[2] a Virgílio /ao certo sobre Homero.\

[3] actual /(presente)\ e o fundamental /aspiração geral\

[4] como /(o)\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4461

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Legendas

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Português

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