O nº 1 e único da revista Centauro, correspondente a Outubro-Novembro-Dezembro de 1916, foi publicado em Lisboa sob a direcção de Luiz de Montalvor, com um Hors-texte especial de Cristiano Cruz representando uma figuração dramática do Centauro, tapando o rosto com a mão direita. A figura é extremamente personificada, acentuando a humanidade do monstro e esvaziando-o do aspecto guerreiro que muitas vezes lhe é associado nas figurações mitológicas.

Tendo saído um ano após os dois números da revista Orpheu, onde o simbolismo-paulismo como afirmação estética original do nosso Modernismo se vê ultrapassado pelas propostas vanguardistas (do interssecionismo de «Chuva Oblíqua» ao futurismo dos poemas de Mário de Sá-Carneiro e ao sensacionismo da «Ode Marítima» de Álvaro de Campos, Centauro representa um retorno ao que se poderia designar por ortodoxia simbolista, facto que se explica pela direcção de Montalvor, fiel discípulo de Mallarmé que terá tido a possibilidade de seguir esta sua orientação na escolha dos colaboradores e dos textos publicados. No sumário do número encontramos: «Tentativa de um ensaio dobre a decadência» do próprio Luiz de Montalvor, que funciona como um texto programático do que seria a orientação estética da revista; «Poemas inéditos» de Camilo Pessanha, já então instalado em Macau de onde não regressaria a  Portugal, cedidos por Ana de Castro Osório, no que constitui a única publicação significativa de poemas de Pessanha antes da edição póstuma da Clepsidra, em 1926; «Quatro sonetos» de Alberto Osório de Castro; «A aventura dum Sátiro ou a morte de Adónis», conto de Raul Leal;  «Passos da Cruz», catorze sonetos de Fernando Pessoa; «Última Nau, poema nocturno», de Júlio de Vilhena; e «Poemas da alma doente» por Silva Tavares. Com excepção de Pessoa, que frequentou todas as zonas estéticas do Modernismo, da tradução à vanguarda, os colaboradores do número são poetas que poderíamos inscrever na área simbolista-decadentista; e a colaboração de Pessoa pertence ao poeta ortónimo que também seguiu por algum tempo esse caminho, tendo escolhido «Os Passos da Cruz» em que o lado ocultista confere um sentido mais profundo ao simples jogo decorativo de cenários medievais e paisagens lacustres e enevoadas que percorre o nosso paúlismo. É no entanto o texto de abertura de Montalvor que situa o projecto da revista: «Somos os descendentes do século da Decadência». Esta primeira frase dá o sentido de uma continuidade em relação ao século XIX que Centauro pretende, propósito que, em 1916, nos soa como provocatório anacronismo.

Nuno Júdice