Fernando Pessoa foi criando, desde a sua infância, personagens com quem dialogava e em nome das quais escrevia. A estas pequenas invenções, de importância menor no conjunto da obra pessoana, podemos chamar personalidades literárias. Este é ocaso de Charles Robert Anon, uma figura criada ainda na África do Sul, que deu o nome a alguns poemas em língua inglesa. Anon, que escreveu poesia e prosa, terá possivelmente colaborado num jornal, o Natal Mercury, com uma sátira em defesa de Pessoa numa polémica entre este e um professor, sob o nome de “Anonymous”. O referido jornal tem data de 16/ 6/ 1904 e talvez coincidisse com a criação de C. R. Anon.

Parecia intenção de Fernando Pessoa dar-lhe bastante importância, uma vez que o poeta arranjou, para a sua assinatura, um sinete próprio com que carimbava os seus escritos para identificar a sua produção.

 No entanto, tal como já acontecera com David Merrick, (autor de um “caderno” de projectos e de pequenos textos de poesia, ficção, crítica literária e drama, onde Anon escreveu também), os seu poemas foram assimilados pela nova criação pessoana Alexander Search, essa sim, personagem importante e duradoura, pois escreveu em inglês entre 1903 e 1910, substituindo Pessoa nos últimos anos da sua adolescência e nos primeiros da sua vida adulta.

Num texto em prosa de auto-análise, C. R. Anon define-se como poeta, megalómano, maníaco, degenerado superior, filósofo idealista e noutros textos escreve ainda sobre o sonho, o génio, a loucura, o medo da morte, o ódio às instituições e convenções, enfim, toda a temática da futura poesia em inglês que seria assinada por Alexander Search.

Num documento do espólio, publicado primeiramente por Teresa Rita Lopes, aparece no final do poema “Elegy”, de 1905, a assinatura impressa de C. R. Anon, seguida da rectificação – “id est Alexander Search” – atestando que, para o futuro este seria o seu herdeiro.

Assim alguns poemas como “The death of the titan”, “On death”, “Sonnet” e “Rondeau”, de 1904 e 1905, que lhe eram anteriormente atribuídos, passaram a figurar nas listas referentes ao seu sucessor A. Search.

Contudo, em 1906, C. R. Anon ainda aparece a assinar o referido ódio às instituições, sobretudo à Igreja Católica, em dois epitáfios: “God’s epitaph” e “Epitaph of the Catholic Church”.

Ao apagá-lo e ao substituí-lo definitivamente por Search, o incipiente escritor Charles Robert Anon foi remetido para o seu anterior e primitivo “anonimato”.

Luísa Freire

 

BIBL.: Teresa Rita Lopes, Pessoa por Conhecer. I. Roteiro para uma Expedição, Lisboa, Estampa, 1990