Publicação subintitulada de «panfleto semanal de crítica e doutrinação política», dirigida por João Camoesas, da qual sai apenas o nº 1, de 13 de Maio de 1915. Na apresentação, os promotores dizem-se «uma dúzia de portugueses de lei», defensores de um Portugal melhor e da segurança da República, mas que não foram buscar a inspiração do seu nacionalismo à obra do sr. Charles Maurras. É uma alusão clara ao Integralismo Lusitano que visava reimplantar a Monarquia e seguia os princípios maurrasianos da Action Française. Está dada, assim, a orientação política do panfleto. (O director é, de resto, um homem situado na ala esquerda, que viria a ser por duas vezes Ministro da Instrução (1923 e 1925), com programas ambiciosos e inovadores, sendo mesmo autor da obra O Trabalho Humano, onde, pela primeira vez, se divulga em Portugal, o taylorismo, enquanto teoria da fisiologia do esforço. Acabaria por morrer exilado nos Estados Unidos, em 1951.) Camoesas elege como inimigos principais o general Pimenta de Castro, então na chefia do governo de ditadura, e Paiva Couceiro, chefe militar das hostes monárquicas. É este último o visado no seu artigo, «Nun Alvares», onde, invocando a figura do Condestável, «personificação da honradez», o autor critica o «desaforo» de o seu nome ter sido utilizado um dia para «enfeitar» um traidor.  O traidor Paiva Couceiro é também o alvo de outro artigo, «A arrogância espétaculosa de Paiva Couceiro define bem a traição miserável do governo», de Sérgio Sílvio, sendo aqui apodado de criminoso e associado a Pimenta de Castro. O general, por sua vez, é ridicularizado na rubrica «Cartas ironicas» de A. Bustorff, com um artigo sugestivo, dirigido ao «Ignorantíssimo General»: «Pimenta de Castro atravez a Gramatica» ou «A Gramatica de Pimenta de Castro». Na página ao lado, em jeito de paródia, é aberta uma subscrição para um projecto de monumento ao herói da «presidencial supremacia»… Na verdade, Pimenta de Castro governa (de Janeiro a Maio de 1915), indiferente aos partidos, indiferença que anima os antidemocráticos na sua luta contra Afonso Costa, mas que leva também à união dos militantes dos vários partidos contra o inimigo comum. Em 14 de Maio, exactamente um dia depois da saída do panfleto, a revolta da Marinha de Guerra, ou «golpe das espadas», comandada por Leote do Rego, poria fim ao efémero pimentismo. Do panfleto consta também o artigo de Fernando Pessoa, «O preconceito da ordem». Mas a sua colaboração neste órgão anti-pimentista revela-se, num primeiro relance, algo inusitada, já que, num outro momento, escreve sobre e contra o 14 de Maio, «uma revolução estomacal», num texto em que sobressai a sua simpatia por Pimenta de Castro, definido como «o mais puro representante das classes medias que foi ao poder em Portugal» e que «reflectiu perfeitamente a sua ancia de paz, de tolerancia e liberdade» (PI 346). Por outro lado, o seu ataque ao preconceito da ordem, que noutros momentos defende acerrimamente, torna-se ambíguo e deve precaver-nos contra uma leitura linear do texto político pessoano. Assim, por exemplo, num texto de título semelhante, «O preconceito revolucionário», o escritor considera que um movimento revolucionário «pode ser salvador» quando uma nação atinge o estado máximo de letargia e desorganização. Aí, as revoluções, sendo destrutivas e produtoras de anarquia, tornam mais «patente a necessidade da ordem» (OPP III 1025). A verdade é que, para Pessoa, há várias formas de ordem; aquela a que o seu artigo se refere é «não uma cousa: é um estado. Resulta do bom funcionamento do organismo, mas não é esse bom funcionamento». E, como diz, a exclusiva preocupação da ordem é «um morfinismo social». Vilaverde Cabral, na introdução que faz à edição facsimilada de Eh real! (Contexto, 1983), admite que o sentido do texto não reside na sua letra, mas na sua forma, pois não seria só com os integralistas que Pessoa «estava a mangar, era também com os seus colegas do Eh real!», usando, para todos os efeitos, a sua capacidade de criador de ficções.

 

 

Manuela Parreira da Silva