Este é o título de um conjunto de duas séries de poemas publicados por Pessoa no Portugal Futurista: a primeira série intitulada A Múmia, a segunda Ficções do Interlúdio. Nenhuma delas corresponde a qualquer tendência de Futurismo, excepto no sentido banal do uso que essa palavra tomou no espaço da imprensa, que é o de uma arte mais ou menos incompreensível e associável ao Ultra-Simbolismo. Na terminologia pessoana, é antes de Interseccionismo que deveria falar-se, dado que A Múmia se parece na sua escrita poética com a Chuva Oblíqua, de Orpheu 1, Passos da Cruz, de Centauro,e Além Deus de Orpheu 3, todos conjuntos de poemas do Pessoa ortónimo dos anos 1914-1917. Embora a ligação entre A Múmia e as tradições alquímica, cabalística, rosicruciana e maçónica tenha sido exposta por Yvette K. Centeno, são típicos do Interseccionismo a dissociação do Eu, o cruzamento aleatório de linhas semânticas e um inquietante ambiente onírico geral. Já a segunda série, Ficções do Interlúdio, é de modo evidente uma paródia do Simbolismo, que cita o primeiro Eugénio de Castro levando às últimas consequências a sua acumulação de rimas internas (ex.: «E são fumos os rumos das barcas sonhadas, / Nos canais fatais iguais de erradas») e uma afirmação burlesca do puro jogo dos significantes, que joga com a (hipotética) referência a Dada no título Saudade Dada de um dos poemas desta segunda série.  

De notar ainda que Episódios é um título previsto por Pessoa, em projectos do tempo de Orpheu, para um livro de versos assinado com o seu nome, e a publicar na secção dedicada ao Interseccionismo de uma colecção de livros de que os outros dois títulos seriam Teatro Estático e Livro do Desassossego (Teresa Rita Lopes, Pessoa Por Conhecer, II, p. 486). O provável sentido desse título poderá ser procurado num fragmento, provavelmente da mesma fase interseccionista, em que se lê: «Considerar todas as coisas que nos sucedem como acidentes ou episódios de um romance a que assistimos não com a atenção senão com a vida. Só com esta atitude poderemos vencer a malícia dos dias e os caprichos dos sucessos» (PPC II, 377). Ainda à volta do ano de 1919, altura em que prepara uma editora que então se chama Cosmópolis (chamar-se-á depois Olisipo), «Episódios – Versos – Fernando Pessoa» figura numa lista de edições projectadas.

 

Yvette K. Centeno, «Episódios / A Múmia: Poema Chave para o Estudo do Hermetismo em Fernando Pessoa», Fernando Pessoa. Tempo. Solidão. Hermetismo, Lisboa, Moraes, 1978

 

 

Fernando Cabral Martins