O adjectivo esotérico, do advérbio grego eso-, literalmente, no interior, no íntimo, na sua forma comparativa – ter-, significa mais interno ou interior, o mais secreto ou espiritual de uma prática, doutrina, religião, templo e, por derivação, quem aprofunda a capacidade consciencial do  interior dos seres, coisas e ensinamentos. F. P. diz-nos: «O verdadeiro sentido de esotérico e exotérico. Há dois sentidos possíveis: exotérico, o que pertence à aparência do mundo, esotérico, o que pertence à realidade que está por detrás desta aparência».

O esoterismo no ocidente surge para F. P.: «o paganismo helénico tem duas feições: a exotérica, que é a do mito popular e admite os deuses, objectivista, patente, consoante o são todas as manifestações populares, e, sobretudo, todas as manifestações do espírito grego; e a esotérica, que o heleno aprendia apenas nos mistérios, a parte oculta do paganismo, ligada intimamente – mais, mesmo, que a parte aparente e normal – aos velhos cultos e sacerdócios do Egipto e do Oriente indefinido. Em Pitágoras emerge, afirma-se em Platão, este esoterismo pagão. Porque emerge? Porque o espírito da filosofia pagã começou da limitação objectivista. Desceu às cavernas das iniciações. Abriu portas insuspeitas no mistério da alma humana» (24-70).

F. P. estuda sobretudo a origem do esoterismo ocidental na tradição religiosa e iniciática do mundo mediterrâneo, nomeadamente da «Grécia, em que para além dos rituais visíveis, e por assim dizer, cívicos, havia o mundo subterrâneo dos Mistérios» (54A-18),  cujos ensinamentos, como F. P. explica, se dividem em «exotéricos ou profanos os que são expostos de modo a que a todos possam ser ministrados; esotéricos ou ocultos os que, sendo mais verdadeiros, ou inteiramente verdadeiros, não convém que se ministrem senão a indivíduos previamente preparados, gradualmente preparados, para os receber. A esta preparação se chamava, e chama, iniciação» (54-97).

No Oriente islâmico, indiano e sino-nipónico, o menor centralismo e domínio repressivo dos sacerdotes permitiu aos ensinamentos secretos e às iniciações continuarem vivos e claros, quer como a parte esotérica das religiões e das vias, quer como a transmissão oral iniciática de mestres a discípulos, cuja essência de realização interior F. P. assinala bem: «à passagem da actividade inferior, para a superior, do espírito, dão os hindus o nome velador de O Caminho, ou A Senda. Não tem outro sentido este termo, tão vulgarmente empregado na literatura budística ou teosófica. Assim se explica a expressão atribuída a Krishna –“torna-te tu próprio o caminho” –, isto é, concentra a tua actividade na carreira ascensional dentro de ti próprio, torna-te todo a “direcção pura” de subires dentro de ti» (153-91).

Já no Ocidente, o domínio da Igreja Católica,  obrigou certos aspectos da Gnose, a gnose do reino do espírito e de Deus no interior de cada ser, transmitido por Jesus (discernido por F. P., por exemplo, nas referências aos eunucos e nas alegóricas parábolas que terminam com o “quem puder compreender, que compreenda”), e pela escola de interpretação simbólica de Alexandria, sobretudo com Orígenes e Clemente de Alexandria,a Tradição, a uma sobrevivência difícil singrando ocultamente nos cristãos que os cultivavam ou aprofundavam em caminhos místicos, iniciáticos ou de saberes tradicionais ocultos. Disso nos fala F. P. ao explicar como se fizera a transmissão iniciática pela noite dos tempos, através do cristianismo da face oculta: «Da segunda face se formou uma única Igreja – a Igreja Gnóstica, possuidora das chaves dos íntimos mistérios; foi a ela a que mais tarde se haveria de chamar, na linguagem dos rosicrúcios, a Igreja Mística» (54A-18, in R. C.),  «e que ora nos aparece com o aspecto dos cavaleiros de Malta, ou dos Templários, ora, desaparecendo, nos torna a surgir nos Rosa-Cruz para, finalmente, surgir à plena superfície na Maçonaria» (21-19). Daqui o grande interesse de F. P. por estes elos da transmissão tradicional iniciática.

Assim, ao longo dos séculos, iniciados, místicos, alquimistas, herméticos, astrólogos, mágicos, filósofos, cientistas procuram aprofundar o conhecimento tanto do simbólico e do menos visível como do espírito essencial, surgindo ora solitários peregrinos e nobres estrangeiros, ora agremiados em pequenos grupos. As designações desta demanda, doutrina e realização foram Gnose, Hermetismo, Teosofia, Filosofia Oculta, Filosofia Perene, Prisca Teologia, Teologia Sacra, Magia, Pansofia. No século XIX, após um primeiro impulso no Renascimento, a investigação dos aspectos subtis da realidade bem como os estudos das religiões e tradições recrudescem, marcando a importância da alma, do espírito e do divino face ao avassalamento do materialismo, do positivismo racionalista e do reducionismo do sagrado e do espiritual. A palavra esoterismo aparece pela primeira vez cerca de 1840 (um pouco antes do quase sinónimo ocultismo, mais empregado para as investigações das virtudes ocultas da natureza, dos corpo subtis humanos e do seu funcionamento, com ênfase em práticas psíquicas e mágicas), em França, então centro de grande fermentação sócio-utópica, psíquica e espiritual que vinha das investigações europeias do magnetismo, do hipnotismo, do espiritismo e do magismo, das correntes literárias do segundo romantismo e sobretudo do simbolismo e que vai atrair vultos, ou emergir em almas, como Balzac, Victor Hugo, Novalis, Nerval, Sar Peladan, Edgar Allan Poe, Eliphas Lévi, Papus, Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, etc., autores que F. P. lerá e apreciará.

F. P., contemporâneo consciente de tal fermentação e renascimento espiritual do fim do século XIX e princípio da Modernidade, e a ela tendo acesso pelas correntes de pensamento, livros e revistas participa activamente tanto na teoria como na prática (chegando no último ano da sua vida a sair, em artigos públicos, em defesa das associações secretas), sobretudo aprofundando a iniciação, o simbolismo, a astrologia, a cabala, os mistérios da Hierarquia e da Divindade, deixando-nos muitos textos, quase todos inéditos em vida, além de comentar os grupos e pessoas então activos. Exemplos significativos são as críticas ao martinismo de Papus, aos magos ingleses M. Mathers e A. Crowley, e a Blavatsky, Besant (autora do Cristianismo Esotérico), Sinnet (autor do Budismo Esotérico) e Leadbeater, da Sociedade Teosófica. Exemplo apreciativo do que se passava em Portugal é, depois de ter reconhecido no grupo do Orpheu a influência ocultista e teosófica, a valorização da obra do irmão de Santa-Rita pintor: «Esta última espécie de infiltração ocultista é a mais rara de todas. É a ela que claramente pertence – e entre nós é, creio, a primeira obra distintivamente dessa espécie – o Auto da Vida Eterna, de Augusto de Santa-Rita» (54-56).

Esta consciência mais subtil da realidade mostra até o aspecto pioneiro de F. P. e da geração da revista Orpheu em relação ao surrealismo, na tentativa prometaica de saírem dos limites da normalidade entorpecedora da sociedade e da racionalidade positivista, na busca do conhecimento e da unidade dos contrários, desde os meandros cerebrais às profundezas da alma e aos píncaros do espírito, como se verá em Bréton, Artaud, Daumal e outros. Na sua demanda da verdade, em que passou da fase sociológica e logo pagã (desmistificadora do religioso católico superficial e desvalorizadora do sobrenatural e do místico), à via iniciática e à gnose cristã,  F. P. aprofundou a meditação, a intuição e a inteligência analógica, que considerava interdependentes e necessárias ao entendimento correcto dos símbolos em que são transmitidos os ensinamentos (129A-6). Nessa investigação das realidades subtis que se ocultam por detrás dos símbolos, F. P. procurou a interpretação ou hermenêutica correcta, o que o levou a entrar em contacto com Sampaio Bruno, os irmãos Durville (ocultistas e editores com notáveis obras), A. Crowley e com tradições organizações esotéricas ou iniciáticas e, sobretudo, livros, nomeadamente da Maçonaria, da Golden Dawn, do Rosicrucianismo. da Teosofia e da Antroposofia.       A sua biblioteca revela esse interesse pelo simbolismo universal e o esoterismo,  H. Jennings, G. R. S. Mead, A. E. Waite, A. Loisy, C. Bragnon, Papus, F. Hartmann, R. Steiner, O. Wirth, M. P. Hall, etc., certamente por vezes fontes de concepções e símbolos dos seus escritos e poemas.

De facto, em F. P., muito cedo a aspiração aperfeiçoante (que o levará da moral às regras de vida e, por fim, às condições de iniciação) e o ideal do Mestre (como do sábio, do santo e do herói) surgiram e recebendo dois contributos iniciais bem diferenciados, um rosacruciano, por um livro de Hargrave Jennings (que pertencia à Societas Rosicruciana in Anglia) e depois, já em 1915, pelas obras que traduziu da Sociedade Teosófica. Isto estimulou-o a aprofundar mais a Tradição ocidental e o grau ou estado de Mestre passando assim certamente por estações de diferentes compreensões, valorizações e realizações, na sua viagem iniciática de mais de vinte anos, da qual nos diz: «a vida iniciática é uma vida e não uma doutrina – isto é, um estado de alma formado de emoções e intuições, que não de ideias ou de temas» (53A-8), «os graus de iniciação representam estados de conhecimento que são simultaneamente estados de vida» (53B-83).

Para F. P., «iniciar alguém no sentido hermético, é conferir-lhe conhecimentos que ele não poderia obter por si, quer pela leitura de livros, quer pelo exercício da sua inteligência, por forte que seja, quer pela leitura de livros à luz dessa mesma inteligência» (53A-10). O iniciado real é quem recebeu um impulso espiritual, consciencial e energético e entrou na experiência do autoconhecimento, no caminho para o espírito e para Deus. O verdadeiro esotérico é pois quem conhece por experiência o lado interno, a doutrina, as práticas libertadoras, a Tradição Primordial, sendo assim um iniciado na Arte Real, em direcção ao estado de desperto, de realizado, o que obtém por uma preparação gradual da experiência espiritual. Como F. P. diz: «Mas o sentido real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, noutras palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar – um expelir gradual, parcial – dessa ilusão (54A-55, td.).

A ideia da Tradição Primordial, transmitida no século XX por autores como René Guénon, Aldous Huxley, Bô Yin Râ, Claude Bragnon, Ananda Coomaraswami, Henry Corbin, Mircea Eliade, Louis de Massignon, Titus Burckhardt, Frithjof Schuon e outros, significa a existência ininterrupta do conhecimento dos estados múltiplos do ser e do universo, bem como dos mestres, da iniciação e da realização espiritual e divina, e é o seu conhecimento vivido que torna uma pessoa um esotérico, um iniciado, um nascido duas vezes, um ser liberto. No iniciado esotérico há então a visão e compreensão desta Unidade, tanto divina e espiritual, e da Tradição, que está por detrás dos múltiplos símbolos, técnicas, doutrinas e caminhos de realização que encontramos em todos os povos e tempos. F. P. dirá assim sobre tal utilizando, em vez do termo tradição ou esoterismo, o de ocultismo, de facto o que ele utilizou mais: «O ocultismo, porém, como a todas as religiões transcende e excede, excede e transcende cada um per si através dela mesma. Não lhe diminui os símbolos, as lendas e os ritos, senão que os eleva, interpretando-os, para fora da materialidade que lhes impôs o baixo espírito, crédulo que não crente, da maioria dos seus fiéis» (54-55).

O esoterismo designa então o estudo e conhecimento da Unidade e das doutrinas e práticas internas subjacentes tanto às religiões como às diferentes tradições iniciáticas e ciências ocultas que, da alquimia e cabala à magia e teúrgia procuram compreender e religar o céu e a terra, o visível e o invisível, numa cosmovisão em que o ser humano, o universo e a Divindade são vivenciados como corpo, alma e espírito nos mundos físico, psíquico e espiritual, ligados entre si por correspondências e analogias na base de que «o que está em cima é como o que está em baixo para a realização do milagre da unidade», e aproximados a partir de um ensinamento, de práticas, do uso da imaginação activa, da meditação («nas ordens do Átrio se não explica ao iniciado o sentido dos símbolos, deixando a ele que o descubra por meditação» (54A-99), da visão clarividente e da transformação iniciática.

A expressão os esotéricos, mais usada por F. P. de que esoterismo (e lembremo-nos de Álvaro de Campos, no Ultimatum: «Passai, frouxos que tendes a necessidade de serdes os istas de qualquer ismo»), tem a facilidade de nos remeter mais directamente para o ser interiorizado, o ser de consciência profunda, que vê e compreende os aspectos internos ou esotéricos da vida, maxime, quem se auto-conheceu no espírito, realiza e vive na Verdade, a Unidade subjacente a tudo. Isto tanto mais porque a expressão esoterismo passou abranger frequentemente meras noções ou vulgarizações históricas de grupos, e os seus ramalhetes doutrinários e actividades, frequentemente pseudo-esotéricos, quando o que ela designa é um caminho, «a iniciação não é um conhecimento mas uma vida» (54 A-55), um estado de ser identificado ao espírito («os esotéricos espíritos que compunham a Gnose»).

O corpus pessoano ocultista, esotérico ou espiritual (e assim afirmamos a artificialidade de separar práticas, doutrinas, significações e realizações), não foi ainda publicado na sua integralidade nem se conseguiu obter uma visão correcta e global quer das implicações quer do percurso, datas e resultados. Podemos interrogar-nos até se nesta demanda iniciática terá recebido e praticado os conhecimentos mais adequados tendo em conta as limitações do esoterismo ocultista da época (que tanto exteriorizava e enredava com rituais, graus, fórmulas e segredos), e de que ele  estava consciente, para além dos  pseudo-esoterismos, contra-iniciação, e magia negra.

Assim em F. P. os importantes poemas de magia terminam com a desilusão dela, suplantada pela aspiração de luz, de unificação suprema, culminando, por exemplo, em quebrar os acessórios mágicos ou rituais e encontrar o universo em luz unitiva, tal o ciclo de Isaac Luria, (66A-71, in P. P. M. E.). O caminho da Serpente, foi também expressamente abandonado: «pensar o que fazer do caminho da serpente, agora repudiado» (54-79). E, sobretudo, os poemas dos últimos anos e meses mostram-nos F. P. com o coração pouco vivo, a apelar a Nossa Senhora (a que calca a cabeça da serpente), e um texto importante, de 1934, ressume desilusão (expressa também significativamente em poemas idênticos) em relação às três estações típicas nas ordens secretas ocidentais: Kilwinning, Heredom e Abiegno. Relembremos porém o testamento ou nota biográfica, escrito uns meses antes de morrer, pela sua forma de síntese final: «posição religiosa: Cristão gnóstico (...) fiel à Tradição Secreta do Cristianismo que tem íntimas relações com a Tradição Secreta de Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria». E, na posição iniciática, Iniciado na Ordem Templária de Portugal.

A vida e a obra espiritual de F. P. continuam assim ora incompreendidas, nas suas significações internas de sombra e de luz, ora claras, iniciando-nos na realização: «O conhecimento de Deus não depende do hebreu, nem de anagramas, nem de símbolos. Nem de língua alguma, falada ou pensada; faz-se pela ascensão univocal da alma, pelo encontro final da alma consigo mesma, do Deus em nós consigo mesmo.» (53B-20, in R. C.)

 

Bibliografia temática:

Obras de René Guénon, Jean Marquès-Riviere, Titus Burckhardt, V. Vezzani, Schwaller de Lubicz, Mircea Eliade, Henry Corbin, Frithjof Schuon, Annik de Souzenelle, Jean Paul Corsetti, Antoine Faivre e Françoise Bonardel.

 

 

 

Pedro Teixeira da Mota