Pessoa parte de uma negação do conceito de verdade, mas assume também que «a nossa ânsia de verdade é grande» (Pessoa por Conhecer, 114). Assim, na ausência de verdade, os objectos sobre que escreve constituem apenas uma enorme variedade de pretextos para o exercício do pensamento. E o nome que às vezes tomam esses brinquedos do espírito é o de «hipóteses». Assim, escreve: «Nós temos pela vida social e política uma grande indiferença dinâmica. Por muito que nos interessem essas coisas, interessam-nos apenas para sobre elas construirmos teorias passageiras, hipóteses inexpressas» (Pessoa Inédito, 271).

No entanto, o facto de se tratar de hipóteses não significa que não possuam nenhuma espécie de realidade. Bernardo Soares é o cultivador por excelência dessas realidades de ficção: «Douro-me de poentes supostos, mas o suposto é vivo na suposição. Alegro-me de brisas imaginárias, mas o imaginário vive quando se imagina. Tenho alma por hipóteses várias, mas essas hipóteses têm alma própria, e me dão portanto a que têm» (Livro do Desassossego, 342).

É, na poética de Pessoa, um termo que se opõe a «verdade» e é afim de «ficções do interlúdio» e de «fingimento».

 

 

Fernando Cabral Martins