No final da sua segunda viagem à Europa, Borges passou parte do mês de Maio de 1924 em Lisboa. Em Espanha, encontrara-se com Adriano del Valle, Rogelio Buendía e Isaac del Vando Villar, vanguardistas com quem Pessoa mantinha uma correspondência desde 1923. Destes últimos dois, Pessoa recebera La rueda de color e La sombrilla japonesa, livros de versos que Borges também leria nesses anos. Quase cinco décadas depois, no seu Autobiographical Essay, Borges mencionaria a passagem pela Europa ressaltando as «many memories of Geneva, Zurich, Nîmes, Córdoba, and Lisbon» (in The Aleph and Other Stories, New York, E. P. Dutton, 1970, p. 223-224) Esta pequena estadia  permitiria a Emir Rodríguez Monegal imaginar que Borges e Pessoa se teriam cruzado nas ruas de Lisboa. O seu ensaio seminal («Jorge Luis Borges, el autor de Fernando Pessoa», Actas do II Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, Centro de Estudos Pessoanos, 1985, pp. 397-406) suscitaria toda uma série de ficções relativamente ao encontro entre ambos escritores.

O certo é que Pessoa só entrou na prosa de Borges por volta de 1960, quando em colaboração com a sua amiga Alicia Jurado, escreveu um artigo sobre a literatura portuguesa do século XX. Neste cita Caeiro e refere-se ao autor da Mensagem nos seguintes termos: «Fue equiparado a Walt Whitman, mereció el epíteto de genial e hizo sentir su influencia en ambas costas del Atlántico (in Textos recobrados 1956-1986, Buenos Aires, Emecé, 2003, p. 57). O poeta de Leaves of Grass foi uma voz libertadora, como também outros escritores que lhes mostrariam, com o seu realismo local, que o subúrbio é uma página da literatura universal: Evaristo Carriego, no caso de Borges, e Cesário Verde, no caso de Pessoa.

Ambos passaram uma parte da sua juventude no estrangeiro. Foi em Genebra que Borges publicou o seu primeiro artigo, redigido em francês. Pessoa, por seu lado, estreou-se como crítico literário em Durban, com um ensaio em língua inglesa. Nestas cidades periféricas, viveram encontros determinantes: o tempo das palavras na poesia latina, a ironia de Charles Dickens, as sinuosidades do herói em Sartor Resartus, o make-believe de William Shakespeare. Outras presenças marcantes despontaram posteriormente: o estoicismo sem dureza de Omar Khayyam na inspiração de Edward Fitzgerald, as diferentes versões da Divina Commedia, as questões metafísicas da Cabala, Espinosa. Cultivaram a vontade de uma literatura que redescobre o épico, o Haiku, o género policial e a narrativa breve, o gosto pelas etimologias, a arte da tradução e a criação verbal dos seus precursores.

Costumam citar-se certos textos de Borges para estabelecer paralelos com Pessoa: «La nadería de la personalidad», «Everything and nothing», «Borges y yo», «Pierre Menard, autor del Quijote», «De alguien a nadie». Aproximações que, de uma forma subtil, Borges já anunciava quando de Genebra, a 2 de Janeiro de 1985, escreveu a Pessoa: «Nada te costó renunciar a las escuelas y a sus dogmas, a las vanidosas figuras de la retórica y al trabajoso empeño de representar a un país, a una clase o a un tiempo» (in José Blanco, «Breve nota bibliográfica sobre los encuentros de Jorge Luis Borges con Fernando Pessoa», Revista de Occidente, n.º 94, Março de 1989, p. 176). Através da literatura souberam viver a mais nobre das virtudes humanas: a amizade.

 

Bibliografia adicional.

 

Lourenço, Eduardo. «Pessoa ou le moi comme fiction», in Fernando Pessoa: Poète pluriel, Paris, Centre Georges Pompidou et Editions de La différence, 1985, pp. 301-305.

Lopes, Teresa Rita. «Le “nationalisme cosmopolite” de Pessoa et Borges», in Literatura e Pluralidade Cultural. Actas do 3º Congresso Nacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada [1998], Lisboa, Edições Colibri, 2000, pp. 441-451.

Schwartz, Jorge. «Borges e Fernando Pessoa», in Boletim Bibliográfico – Biblioteca Mário de Andrade, vol. 45, 1-4, São Paulo, Janeiro-Dezembro de 1984. (Reproduzido in Borges no Brasil, Jorge Schwartz (org.), São Paulo, UNESP, 2000, pp. 413-415.)

 

Patricio Ferrari e Jerónimo Pizarro