(1890 – 1964)

Mário Gomes Pires Beirão estreou-se aos vinte anos, com um longo poema, “As Queimadas”, publicado num dos primeiros números da revista A Águia (nº 4, 15 de Janeiro de 1911); a partir daí as suas composições tornaram-se presença constante nas páginas da revista portuense. Mário Beirão compareceu na segunda reunião preparatória da fundação da Renascença Portuguesa, a 17 de Setembro de 1911, em Lisboa, e foi no ano de 1912 um dos nomes representativos da feição saudosista dessa sociedade cultural. A estreia editorial aconteceu ainda nesse ano, em Dezembro, aos vinte e dois anos, com a plaquete Cintra, seguida logo depois pelo livro O Último Lusíada, ambos com a chancela da Renascença Portuguesa, onde publicou parte importante da sua obra. Dos nove livros que deu à estampa – O Último Lusíada (1913), Ausente (1915), Lusitânia (1917), Pastorais (1923), A Noite Humana (1928), Novas Estrelas (1940), Oiro e Cinza (1946), Mar de Cristo (1957) e Pão da Ceia (1964) – os quatro primeiros saíram dos prelos da Renascença Portuguesa.

Fernando Pessoa, dois anos mais velho do que ele, nos artigos publicados em 1912 na revista A Águia, abonou-se com versos seus para exaltar a complexidade sublime (podíamos dizer interseccionista) da nova poesia portuguesa, aquela que na esteira do saudosismo de Teixeira de Pascoaes se desenvolvia nos novos poetas já revelados por inteiro no século XX. Não surpreende por isso a incondicional admiração que Fernando Pessoa manifesta nas cartas que lhe escreve entre 1912 e 1914, não lhe negando por entre anotações críticas penetrantes, esboços de futuros estudos, rasgados elogios. O mesmo se passa com Sá-Carneiro que, escrevendo pela mesma época em privado a Pessoa, se maravilha com o entusiasmo da emoção e o virtuosismo da arte de Mário Beirão, chamando-lhe “alto poeta, soberbo artista” (10.12.1912). Também Pascoaes viu em Beirão um poeta invulgar, que só momentos excepcionais justificavam. Em carta pessoal (20.5.1912), afirmou-lhe, momentos antes da publicação do seu livro de estreia: E o seu Livro? Espero-o ansiosamente. (…) É absolutamente preciso que ele apareça, pois virá marcar uma nova fase criadora do lirismo português. E que dizer das palavras que Camilo Pessanha lhe escreveu no reverso de retrato seu: Em ofertório, ao alto e comovido poeta do Ausente, esse instante da minha vida efémera, – o qual, tendo impressionado fugidiamente a susceptibilidade de uma placa fotográfica, se ausentou de mim tão vertiginosamente que já um abismo incomensurável nos separa, no espaço e no tempo.  

A obra de Mário Beirão, pela força expressiva, pela inovação formal, pela destreza artística, pela qualidade da emoção, pela amplitude da imaginação, não teve ainda recepção à altura.  Não se entendeu o significado da sua poesia, como de resto não se percebeu ainda a modernidade do saudosismo seu contemporâneo, e está por estudar a importância do seu choque junto dos poetas de Orpheu. Dieter Woll entreviu em 1968 a antecedência da poesia de Beirão no século XX português, chamando a atenção para as afinidades estilísticas que Sá-Carneiro tem com ele, mas ficaram até hoje por tirar as consequências dessa importante anotação, que há muito nos devia ter prevenido pelo menos contra leituras e periodologias redutoras, que têm sido afinal a forma involuntária ou não com que a crítica em Portugal inumou na omissão poetas tão raros como Mário Beirão.

 

BIBL: BARATA, Gilda Nunes, A Presença na Ausência em Teixeira de Pascoaes e Mário Beirão, Lisboa, IN-CM, 2004; PEREIRA, José Carlos Seabra, “O que há de eterno e vão em tudo quanto passa! (Derivas da Obra Poética de Mário Beirão)” in Poesias Completas [com marginália crítica onde se pode encontrar muita bibliografia sobre o poeta], Mário Beirão, org. A. Cândido Franco e Luís Amaro, Lisboa, IN-CM, 1996; WOLL, Dieter, Realidade e Idealidade na Lírica de Sá-Carneiro (trad. do alemão de Maria M. G. Delille), Lisboa, 1968, pp. 114-17, 192 e 205-6.

 

 

António Cândido Franco