Revista emblemática do modernismo português, que deu nome e expressão a toda uma geração de poetas. Surgiu em 1915, como «Revista Trimestral de Literatura», tendo saído apenas dois números: o 1, correspondente a Janeiro-Fevereiro-Março, sob a direcção de Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho; o 2, de Abril-Maio-Junho, dirigido por Pessoa e Sá-Carneiro. Nos dois números, consta como  editor  António Ferro, o mais jovem do grupo fundador, e, como autor do desenho da capa, José Pacheco. Um 3.º número, já em provas tipográficas, não chegaria a circular, tendo sido publicado apenas em 1984 pela editora Ática (e, facsimilado, pela Nova Renascença). Sobre a sua génese, é a extensa correspondência de Sá-Carneiro para Pessoa uma das melhores fontes de informação. A ideia de uma revista que acolha os novos movimentos literários radica, em grande medida, na decepção que o saudosismo-renascente de A Águia constitui para os dois amigos, para quem «o que é preciso é ter um pouco de Europa na alma», o que, visivelmente, falta ao grupo nortenho. Numa carta de 8-10-1914, Sá-Carneiro descreve, em termos satíricos, o falhanço completo do último número de A Águia. E, em 28 de Julho do mesmo ano, escreve: «A Europa! a Europa! como ela seria necessária!...». Europa seria o nome da revista e foi o projecto que, segundo o próprio Pessoa, mais próximo esteve de se concretizar entre os muitos sonhados, antes de 1915. Em Janeiro desse ano, Pessoa diz, numa carta a Côrtes-Rodrigues, ser urgente dar publicidade a uma série de ideias, para que «possam agir sobre o psiquismo nacional». E um mês depois, numa outra carta, anuncia que vai entrar no prelo a revista Orpheu, sob a directoria de um poeta, Montalvor, amigo íntimo do Sá-Carneiro, e de «um dos mais interessantes» poetas brasileiros da época, Ronald de Carvalho. Algumas dias mais tarde, 4 de Março, elucida o poeta açoriano sobre a composição do 1.º número e sobre aspectos administrativos. Por sua vez, uma carta de Sá-Carneiro para Montalvor, datada de 12-3-1915, informa acerca das diligências para a impressão do n.º 1: «Chegou já o original do Côrtes-Rodrigues. Estão impressas 3 folhas. Amanhã sê-lo-á a 4ª e falta compor as produções do Álvaro de Campos. Digo-te isto para teu governo. É forçoso que entregues o teu original na segunda-feira!» (CMSC 57). Como se depreende, os principais promotores e organizadores da revista são indiscutivelmente Pessoa e Sá-Carneiro. Os directores do n.º 1 são-no apenas de circunstância ou de conveniência, embora tenham pertencido a Montalvor a ideia da oportunidade da revista, destinada ao escol de Portugal e do Brasil, e a escolha do título arcaizante. O n.º 2 repõe, por assim dizer, a «verdade histórica», apresentando na 1.ª página os nomes dos reais directores de Orpheu. É sobretudo à sua volta que se reúne o grupo de que fazem parte Alfredo Guisado e Almada, para além de Raul Leal e Ferro (que não chega a colaborar com matéria literária). Graças ao escândalo provocado no quase inexistente meio culto lisboeta, o n.º 1 esgota e o n.º 2 vende cerca de 600 exemplares. O público, adormecido por um gosto literário fora de moda, repele instintivamente a novidade. A revista dos «engraçadinhos» da Brasileira e do Martinho é recebida nos jornais com risota e dichotes. Durante meses, a imprensa da capital e da província enche-se de citações, comentários, transcrições dessa «literatura de manicómio», garantindo que «Os bardos de Orpheu são doidos com juízo», enquanto o teatro de revista à portuguesa inclui rábulas a propósito. Na sua introdução à edição de Orpheu (Ática), Maria Aliete Galhoz faz um historial  do movimento e lembra dois cadernos escolares, existentes no espólio pessoano, onde Sá-Carneiro colou todos os recortes com as referências à revista, tendo sido registados 89 artigos e alusões, com especial incidência do campo político-social mais do que do literário. São particularmente atacadas as supostas intenções conspiratórias dos poetas «monárquicos» e gozado o «desvio linguístico e lógico» das suas composições. Apesar deste «sucesso», ou talvez por causa da natureza dele, o pai de Sá-Carneiro, de cujos bolsos saíra o dinheiro para a execução gráfica da revista, recusa-se a alimentar a excentricidade. Em 13-9-1915, Sá-Carneiro manifesta a Pessoa o profundo desgosto que sente pela impossibilidade de dar continuidade à revista, com o n.º 3 em fase adiantada de preparação. Ao entusiasmo com que este número fora pensado e previsto, contrapõe-se a «zanga» de Carlos de Sá-Carneiro. Há tentativas para solucionar o contratempo. Como a correspondência vinda de Paris nos mostra, Santa-Rita Pintor oferece-se para pagar a revista, ao que Sá-Carneiro se opõe, por temer que Santa-Rita dela se aproprie e queira transformar-se em «maître» de Orpheu. E Pessoa regista mesmo o nome da revista, para evitar que seja roubado. O Pintor opta, então, por lançar uma revista intitulada 3, o que Sá-Carneiro considera ser uma «malandrice genial», mostrando-se desiludido também com o que chama a «gatunice» do «Montalvorzinho» (carta de 18-10-1915), envolvido, ao que parece, no caso. Encarrega, então, Pessoa de demover Santa-Rita, o que aquele faz por carta, em 21-9-1915, salientando que, a transferir para alguém a revista, só podia ser aos discípulos (que Santa-Rita não era). Pessoa, no entanto, dirá mais tarde, num texto em jeito de entrevista, a propósito de ser costume atribuir a si ou a Sá-Carneiro a chefia de Orpheu: «Nenhum de nós se propôs ser chefe de qualquer coisa ou influir, estilo de chefe, sobre os outros. (…) Nenhum de nós admitiria sequer aquilo que há de antipático em toda a chefia – a invasão da personalidade alheia pela nossa, a perversão, pela sugestão, da liberdade que cada um tem de ser quem é» (OPP II 1327-8). O projecto de continuar Orpheu revela-se, assim, infrutífero. Só depois da morte de Sá-Carneiro e talvez em jeito de homenagem, o n.º 3 acabaria por ser impresso, trazendo aposta nas provas tipográficas a data de 1917, e com um conjunto de colaboradores muito diferente daquele que Sá-Carneiro aprovara em Agosto de 1915. 

A força dos dois números publicados em 1915, sublinha Cabral Martins na introdução à edição facsimilada de Orpheu (Contexto, 2.ª ed., 1994), «vem de tão perfeitamente se equilibrarem, à composição de tonalidade intertextual simbolista do primeiro se sucedendo a violência de ruptura do segundo (Ângelo de Lima, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa), com a Ode Triunfal a estabelecer o raccord entre os dois». O poema futurista de Campos fecha o n.º 1, sendo o exemplo mais acabado do vanguardismo de Orpheu, em contraste nítido com o pendor simbolista-paúlico-decadentista das restantes colaborações: poemas de Sá-Carneiro, para os Indícios de Oiro; poemas de Ronald de Carvalho; O Marinheiro, «drama estático» de Pessoa; treze sonetos de Alfredo Guisado; Frisos (prosas) de José de Almada Negreiros; poemas de Côrtes-Rodrigues; Opiário de Campos. O n.º 1 inclui ainda uma nota introdutória da autoria de Luís de Montalvor, em que assume o direito da revista «se desassemelhar de outros meios, maneiras de formas de realizar arte», recusando ser «fotografia de geração, raça ou meio, com o seu mundo imediato de exibição a que frequentemente se chama literatura e é o sumo do que para aí se intitula revista, com a variedade a inferiorizar pela igualdade de assuntos (artigo, secção ou momentos) qualquer tentativa de arte», mas, antes, espaço de «um exílio de temperamentos de arte». Referindo-se ao periódico de 1915, Pessoa sublinha, pela mesma altura, que ele é uma unidade feita de multiplicidade, de individualidades, acentuando a «feição cosmopolita» da nova e original corrente literária que representa (C I 160). Face às reacções provocadas pelo n.º 1, o n.º 2 parece querer afirmar-se ainda mais provocatoriamente, trazendo como novidade absoluta quatro reproduções de pinturas cubistas de Guilherme de Santa-Rita e incluindo, para além dos mallarmeanos poemas de Eduardo Guimaraens e Narciso de Montalvor, os «extravagantes» poemas inéditos de Ângelo de Lima; Poemas Sem Suporte de Sá-Carneiro, dos quais Manucure, assombroso no seu grafismo futurista;  Atelier (novela vertígica) de Raul Leal; a enorme Ode Marítima de Álvaro de Campos; poemas de uma enigmática Violante de Cysneiros, apresentados, aliás, como tendo sido realizados por «um anónimo engenho doente»; e Chuva Oblíqua (poemas interseccionistas) de Pessoa, um dos que mais viria a ser glosado e alvo de chacota. Neste número, se anuncia também uma série de conferências, com títulos «eventualmente chocantes», de Santa-Rita, Raul Leal, Manuel Jardim e Sá-Carneiro. O n.º 3 é, finalmente e dadas as circunstâncias, um número de compromisso, integrando composições de ressonância simbolista - como os poemas em prosa de Albino de Menezes (Após o Rapto), Augusto Ferreira Gomes (Por esse Crepúsculo. A Morte de um Fauno...) e Castelo de Moraes (Névoa); o poema Olhos de D. Tomás de Almeida; Para Além doutro Oceano de C. Pacheco; Poemas de Paris de Sá-Carneiro; Gládio e Além-Deus» de Pessoa - e uma espantosa e excessiva «cantiga de escárnio e maldizer de um tempo moderno» (no dizer de Maria Aliete Galhoz) que á A Cena do Ódio do «poeta sensacionista e Narciso do Egipto», Almada Negreiros. 

 

 

 

Manuela Parreira da Silva