O Romantismo constituiu um movimento artístico e intelectual cuja origem remonta ao final do séc. XVIII. A poética do romantismo é em primeiro lugar desenvolvida por um conjunto de autores alemães, nomeadamente Novalis, Friedrich Schlegel (os dois aliás reunidos no dito “círculo de Jena”), Tieck e Hölderlin, os quais, motivados pelo impacto da crítica kantiana, procuraram formular um novo entendimento estético no qual a poesia e as artes em geral assumissem uma dignidade filosófica nunca antes prevista. Influenciados por Kant e por filósofos pós-kantianos tais como Carl Leonhard Reinhold e Friedrich Heinrich Jacobi, a primeira preocupação dos primeiros românticos foi a de demonstrar como “a poesia é irmã da filosofia”, ou seja, como a poesia pode representar o Absoluto impossível de ser representado por outros meios, incluindo a linguagem filosófica, e ao qual o ser humano só pode aceder através de uma “aproximação infindável”, motivado por uma “saudade do infinito” que constitui a sua essência mais profunda.

Contudo, seria precipitado definir o romantismo única e exclusivamente com base nos ditos primeiros românticos. Com efeito, não só uma geração posterior (a de Eichendorff, Hoffmann, Arnim, Brentano) iria transformar substancialmente o romantismo do “círculo de Jena” e, em grande parte, definir aquilo que seria entendido por romantismo nas décadas seguintes, como também, nas outras literaturas europeias, surgiu logo um conjunto de movimentos que posteriormente seriam designados como românticos, embora divergissem substancialmente do movimento alemão; daí que, na conhecida formulação de Arthur Lovejoy, não se deva falar de romantismo, mas sim de romantismos. Enquanto, na literatura alemã, a geração de Brentano e Eichendorff acentua nitidamente os elementos nacionalistas e medievalistas dos primeiros românticos, o romantismo inglês e o incipiente romantismo francês surgem como uma reacção contra a hegemonia dos preceitos neoclássicos (cuja ausência na literaturas germânicas é certamente um dos factores para a invulgar originalidade do movimento romântico alemão).

Embora a crítica contemporânea afaste a hipótese de um pré-romantismo antecessor directo do movimento romântico (salientando, pelo contrário, a importância da revolução kantiana para a sua génese), é inevitável considerar a génese dos diferentes romantismos em associação com o seu contexto histórico e cultural e os acontecimentos que o marcaram, tais como a Revolução Francesa, o início da industrialização e a expansão definitiva da burguesia letrada; daí que, em países como Portugal, onde estes fenómenos surgiram de forma bastante mitigada, o próprio movimento romântico não se afirmasse com a força transformadora de outras literaturas europeias (ou tenha rapidamente degenerado para o estilo superficial e estereotipado dos ultra-românticos). Não surpreende por isso que Fernando Pessoa, nas suas reflexões sobre o romantismo, praticamente elida o caso português, embora não lhe fosse de forma alguma indiferente a poesia de Garrett e de Antero de Quental. Tendo em atenção a sua formação anglófona e a sua educação tardo-vitoriana, também não surpreende que o romantismo inglês, sobretudo a primeira geração de Wordsworth, Coleridge e Southey, fosse aquele com o qual estava mais familiarizado.

As reflexões mais demoradas sobre o movimento romântico são atribuídas ao heterónimo pessoano António Mora. Segundo António Mora, “o cristismo atingiu a sua expressão exacta só com o movimento romântico. Ali nós vemos, em plena exuberância todos os resultados do cristismo como maneira sentimental: a dispersão do juízo pela imaginação, a substituição do critério geral pelo individual naquilo que na arte é substantivamente geral; a incapacidade de meditar o assunto, de distribuir a sua exposição, de harmonizar as partes em um todo; a mistura de elementos heterogéneos, buscando-se o efeito no pasmo, e não no agrado” (António Mora: 201). A associação entre o movimento romântico e o cristianismo já era um lugar-comum quando Pessoa escreveu estas linhas: o contemporâneo dos primeiros românticos, Jean Paul Richter, já havia escrito na sua Propedêutica da Estética que “é tão fácil de deduzir a origem e a natureza da nova poesia a partir da cristandade que é indiferente designá-la de romântica ou de cristã”, e Friedrich Schlegel e Novalis haviam salientado a relação simbiótica entre a poesia e a religião cristã (não obstante Hölderlin e o jovem Schelling sugerirem pelo contrário que a poesia tinha a função mitológica de conciliar e superar o paganismo e o cristianismo); sem esquecer que um dos textos fundamentais do incipiente romantismo francês é precisamente o Génio do Cristianismo de Chateaubriand.

Contudo, as afirmações de António Mora participam de uma análise crítica do romantismo enquanto fenómeno de degenerescência e de submissão ao obscurantismo religioso, inaugurada por Heinrich Heine e a geração do Vormärz e pela própria segunda geração romântica inglesa, a de Byron, Shelley e Keats, que via os interesses religiosos e metafísicos de Wordsworth e Coleridge como uma cedência às políticas reaccionárias pós-Congresso de Viena. Esta análise crítica do romantismo constituiu por fim um dos elementos principais de uma certa filosofia da decadência, divulgada pelos trabalhos de Max Nordau e Oswald Spengler e cujo impacto na primeira metade do séc. XX não pode ser menosprezado.

Deste modo, os defeitos que António Mora atribui ao movimento romântico (a sobrevalorização da imaginação, o desleixo formal, o favorecimento da diversidade e da heterogeneidade em detrimento da harmonia) e o contraste estabelecido com a disciplina da arte clássica reafirmam as conclusões das teorias da degenerescência (e a própria ligação de António Mora a esses autores). O romantismo é assim para António Mora uma fase na história cíclica da arte que prepara a dissolução final da disciplina e da harmonia que a arte clássica havia instituído como modelos, ou seja, uma fase de ascendência do espírito cristão sobre a produção artística. Num outro texto, António Mora escreve: “O romantismo é: (1) uma literatura cristã, reveladora e interpretativa do sentimento cristão, (2) uma literatura, por conseguinte, atrasada em relação à «clássica», (3) uma literatura que, ainda que sob inibição produzida pelas influências clássicas, regressa ao estádio anti-grego da arte, ao grau inferior do senso artístico em que a expressão das emoções é que leva à produção de arte, e não, como no grau grego e superior, a procura da Perfeição. A arte, na Grécia, continua sendo o que é nos dois estádios anteriores, mas acrescenta-lhes um elemento. Esse elemento é objectivo. A objectividade do paganismo helénico é o seu grande progresso sobre o rude e profundo subjectivismo dos índios. Na Grécia a arte começa, propriamente; porque só com o grego a humanidade começa a reparar que a obra de arte é uma coisa, um facto exterior, a que importa imprimir uma qualquer qualidade exterior, que o tem nos objectos — a perfeição, afinal (António Mora: 310).

Seria contudo redutor limitar a relação de Fernando Pessoa com o romantismo a um esquema de oposição entre a arte clássica e a arte romântica, ou de “ascensão e queda” do génio artístico. A leitura dos poetas românticos ingleses foi, conforme testemunhado pelo próprio Pessoa, um factor decisivo da sua formação poética, e é inegável que a poesia de Wordsworth e Coleridge constituem um intertexto privilegiado da poesia pessoana e uma parte integrante da própria ficção dos heterónimos (note-se até a citação de Wordsworth nas “Notas para a Recordação do meu Mestre Caeiro”). Seria a ficção dos heterónimos uma forma de replicar a amizade entre Wordsworth e Coleridge que esteve na base da publicação das Lyrical Ballads em 1798? Em qualquer caso, Pessoa também soube aplicar na sua obra a simpatia entre o sujeito poético e o mundo exterior, bem como a ênfase na sensação enquanto princípio condutor do poema, que pôde encontrar na poesia de Wordsworth; mesmo que não aceitasse o princípio do spontaneous overflow of powerful feelings, a sua relação com o romantismo também não foi de repúdio completo. A esse respeito, é muito claro um texto que escreveu como apresentação do sensacionismo: “O Sensacionismo rejeita, do Romantismo, a sua teoria básica do momento da inspiração. Não crê que a obra de arte deva ser produzida rapidamente, por um jacto, a não ser que o artista haja conseguido (…) de tal modo ter o espírito disciplinado que a obra nasça construindo-se. (…) Do romantismo aceita a preocupação pictural, a sensibilidade simpatética, sintética perante as coisas (Páginas Íntimas, p. 188).

 

 

Bibl.: Anne Terlinden, Fernando Pessoa: The Bilingual Poet. A Critical Study of the Mad Fiddler (Bruxelles: Publications des Facultés Universitaires St. Louis, 1990); Fernando Pessoa, Obras de António Mora, ed. Luís Filipe Teixeira, Lisboa, IN-CM, 2002; Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, ed. Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Ática, 1966.

 

 

Ana Luísa Amaral

Rui Mesquita