Robert Browning (1812–1889), através do seu desenvolvimento original da poesia dramática, foi um dos poetas mais influentes da época victoriana.  Em 1864, Browning publicou Dramatis Personae, uma colecção de poemas dramáticos da ‘autoria’ de narradores diferentes.  Nestes monólogos interiores – os poemas não são explicitamente dirigidos a outrém – é importante não só aquilo que é afirmado directamente mas, sobretudo, aquilo que é indirectamente revelado sobre cada poeta fictício, pois cada um mostra ao leitor, como que involuntariamente, algum aspecto oculto da sua ‘personalidade’.

Quatro anos mais tarde, Browning publicou o seu tour de force de poesia dramática, The Ring and the Book (1868).  Esta longa obra, com mais de vinte mil versos, é composta por doze poemas dramáticos em verso livre, narrados por diferentes personagens que expõem o seu ponto de vista individual perante os eventos da história principal, baseada num crime violento cometido em Roma no final do Século XVII.  Os poetas fictícios de Browning, alguns dos quais demonstram ‘personalidades’ imorais, psicóticas, ou até criminosas, tentam justificar e defender o seu comportamento, colocando o leitor na posição de juiz.  Um dos exemplos mais extremos do seu método é o monólogo ‘Porphyria’s Lover’, no qual o narrador revela aos poucos a sua loucura, procurando justificar o assassínio da sua amante como uma tentativa de preservar para sempre um momento de perfeito amor.  Uma introdução e uma conclusão, na ‘voz’ do próprio Browning, enquadram os poemas que viriam a ser conhecidos como ‘dramatic monologues’.

Browning chegou a desejar criar poesia ainda mais despersonalizada, publicando obras sob diferentes máscaras e identidades de forma a ocultar a sua verdadeira autoria: quis ‘assume and realize I know not how many different characters; - meanwhile the world was never to guess that […] the respective authors of this poem, the other novel, such an opera, such a speech, etc. etc. were no other than one and the same individual.’  (Devane, William Clyde.  A Browning Handbook, 2ª. edição, Nova Iorque: Appleton-Century-Crofts, 1955, p. 41). 

A sensibilidade de Browning é moderna, aberta a múltiplos pontos de vista e à exposição irónica de perspectivas contraditórias.  A sua poesia dramática influenciou inúmeros poetas posteriores, em especial os modernistas T. S. Eliot, Ezra Pound (que em 1909 também publicou uma colecção de poemas com o título de Dramatis Personae) e Fernando Pessoa.  Pessoa, grande admirador de Browning, foi um leitor assíduo da sua obra.  O desdobramento de Browning em poetas fictícios – descritos pelo seu criador como ‘imaginary persons, not mine’ – encontra um forte paralelo nos heterónimos pessoanos, que podem ser encarados como uma evolução radical das ideias e do métodos do  poeta inglês (apesar de, por vezes, Pessoa demonstrar uma certa ansiedade de influência ao preferir citar outros exemplos de arte dramática).  Pessoa foi mais longe do que Browning, pois as suas dramatis personae, mais do que sujeitos poéticos, são poetas quase autónomos.  Para George Monteiro, os monólogos dramáticos de Browning são predecessores imediatos das criações heteronímicas de Pessoa, embora mais limitados, pois Pessoa acrescentou ao drama ‘dentro’ das pessoas um drama ‘entre’ elas, criando um grupo dentro do qual a ‘discipularidade’ se tornou a ligação possibilitadora de acções dramáticas. João Almeida Flor defende que, ao criar os heterónimos, Pessoa levou às últimas consequências a reacção contra o subjectivismo romântico, ao transpor para o plano psicológico aquilo que em Browning foi sobretudo uma questão estética. 

Mariana de Castro

 

Bibliografia

Flor, João Almeida.  ‘Discursos de alteridade’, in Monólogos dramáticos por Robert Browning, 11-18 (Lisboa: A Regra do Jogo,1980)

Monteiro, George.  ‘Drama in Character: Robert Browning’, in Fernando Pessoa and Nineteenth-Century Anglo-American Literature, 58-66, (Lexington: The University Press of Kentucky, 2000)