[BNP/E3, 18 – 36–37]
Criticar.
Falar – no sentido de falar para dizer qualquer coisa – é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos.
A única coisa[1] mais deliciosa do que olhar um assunto por todos os lados para o compreender, é olhar um assunto por todos os lados para o não compreender. A voluptuosidade de ir cada vez compreendendo menos, de ir cada vez achando menos sentido e menos {…} a uma coisa – só podem sentir esta volúpia mística as almas nascidas para a compreensão. Quando digo isto quero dizer os críticos. Criticar uma coisa é ver nela coisas que lá não estão. Traçar paralelas na superfície da terra _ _ _ _ É uma das grandes artes perdidas – como a de convencer. Quanto mais criticamos, menos criticamos. Começar a não haver crítica, de começar a haver crítica.
Ainda que sucintamente, eu explico.
Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos. Escrever – no sentido de escrever para expor qualquer
[37r]
coisa (esse tendo outro sentido que não o de fazer crítica no principal), é apenas um modo hipócrita e pretensioso de falar. Alguém que pusesse o que diz no gramofone, olharia à parte o mais visível cunho da verdade – desistiria de escrever.
– Para alguns, criticar é dizer o que sentimos perante uma coisa; para mim criticar é dizer o que não sentimos perante uma coisa. Para Oscar Wilde, por exemplo, criticar é sermos nós perante um assunto; para mim, criticar é sermos outras pessoas perante um assunto.
[1] A única coisa /Das poucas coisas\