Identificação
[BNP/E3, 14A – 21-24]
UMA ENTREVISTA COM
ANTÓNIO BOTTO
AFIRMAÇÕES ELEGANTES E SENSACIONAIS
As Tendências da Nova Geração na Poesia – A Corrente Nacionalista – Os que Ficam, os Falhados – A Moral na Arte – Um Programa – Os Críticos Profissionais – A Imprensa
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Atenas e Lisboa ficam na mesma latitude… Os deuses têm sempre razão.
Descíamos vagarosamente a Rua do Ouro quando nos destacou da multidão anónima a figura harmoniosa e subtil de António Botto, o artista tão discutido das Canções.
Pensámos que a série de entrevistas, que é nossa intenção publicar neste quinzenário, não poderia ter melhor início que registando os dizeres do poeta mais requintado da nova geração.
Por isso o interpelámos imediatamente.
Foram poucas as palavras em que lhe explicámos o nosso intuito. António Botto, sorrindo, quis retrair-se. A nossa insistência, porém, foi quase agressiva. O artista fingiu intimidar-se, e perguntou:
– Afinal, meu senhor, o que me quer?
- A sua opinião…
E, desenvolvendo o intuito da nossa frase sintética, desenrolámos ante ele o nosso questionário.
[22r]
– O que pensa, António Botto, das tendências, na poesia, da nova geração?
- São contraditórias, parvas; sem originalidade, sem nada…
- Só isso?
- Só.
- E a corrente nacionalista?...
- Coisa detestável… Falam em verso barato ou em prosa descosida dos cabelos loiros da Inês de Castro, que só depois de podre foi rainha; da Cruz de Cristo que andou no pano cru das caravelas; das quilhas de certa nau…; dos búzios; do pão de milho cosido em casa; das ermidas sem tecto; da colcha que foi azul; e de outras nacionalices que não podem ter futuro…
- Mas, afinal, nesta geração não distingue ninguém? Todos são falhados?
- Sim: há vultos de valor, que hão de ficar e que eu relembro muitas vezes com apreço e com ternura – o Mário de Sá-Carneiro, admiravelmente excêntrico, o Fernando Pessoa, intelectual de raro mérito, o Raul Leal, um forte pensador que atinge sempre o Infinito das coisas, o Luís de Montalvor, o Almada Negreiros, o Mário Beirão…
“Dos falhados não posso ocupar-me. São tantos que precisaria de muito tempo para os citar. De resto, falhados são todos aqueles que eu não amo…”
Ocorreu-nos uma pergunta.
[23r]
– E o alarido feito em volta do seu livro Canções? Agradou-lhe?
- Não sei.
- Disseram muita coisa…
- Sim, chamaram-me tudo – revolucionário, dissolvente perigoso, demolidor da moral, e outros palavrões sonoros que me causaram tonturas… E, afinal, nunca se fala do que se sabe; falam sempre do que pensam. Quando alguém só por suposições afirma alguma coisa má de nós, é porque tem a consciência de que, posto no mesmo caso, nele seria uma verdade o que em nós é aparência. Ah, se a nova geração, se os meus contemporâneos, soubessem ler com inteligência e com minúcia as minhas canções de Renascença, receberiam grande ensinamentos de beleza e muitas coragens, creia!... Todos que saibam ver e compreender o podem verificar.
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- Mas, afinal, o que pensa da moral na arte?
António Botto, num esboço de enfado, disse:
- Nada na vida é imoral, meu senhor, e a Arte só precisa de beleza.
- E qual é o seu programa de arte?
- O meu programa de arte, tracei-o firmemente, mas, por enquanto, não o digo; não quero assustar ou desorientar os meus contemporâneos… Dir-lhe-ei apenas que tenho a paixão da beleza…
Uma outra pergunta se tornava inevitável: António Botto o que pensaria dos críticos, o que pensaria da imprensa?
- Ah, sabem muito, os nossos críticos profissionais!
[24r]
Quando os leio por acaso, divertem-me tanto que até chego a simpatizar com eles…
“Da imprensa o que hei de eu dizer-lhe? Está cada vez menos correcta… e mais aumentada.
E com esta frase se despediu.