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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14-1 – 8
Imagem
[Rascunho de resposta a um inquérito de Eurico Seabra]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Rascunho de resposta a um inquérito de Eurico Seabra]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 141 – 8]

 

Todos nós, meu presado confrade, somos discípulos de Rousseau. Todos nós temos no fundo da alma aquela criança indisciplinada que só desejaria ver no mundo um brinquedo muito grande. Desde que as nossas almas fazem a descoberta que é impossível examinar por dentro a vida, como se examina o miolo de um boneco, de que é impossível dar corda às pessoas e pô-las a tocar pratos toda a vida, para servirem para qualquer coisa – desde que descobrimos que os vapores que anfam no mar não levam dentro quem nós queremos mas apenas a gente que lá vai, desde que vemos que ninguém nos faz as vontades, que tudo é regido por leis naturais, tão implacavelmente certas, – desde que adoecemos dessa reflexão, deixa de ter interesse para nós a vida. Realmente a vida só valeria se fosse possível dar-lhe o valor que queremos. Ter de se subordinar aos factos da existência, ter de estar de acordo com os outros pelo lado de fora dói tanto, diminui tanto!

Mas a alma filha de Rousseau não se subordina. Magoa-se com a vida, mas não a aceita. Brinca com ela ou foge dela. Nunca pertence a ela, nem a ama.

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Directa ou indirectamente, pelo lido ou pelo ouvido, pelo pensado ou pelo que se sentiu, entraram na composição das nossas almas todos quantos se queixaram da vida. Como nós, os sensacionistas, os compreendemos, os combinamos, e – tantas vezes! – os excedemos! Esse pai de todos nós, Jean-Jacques Rousseau, o primeiro que no mundo moderno tomou consciência da vida e do isolamento em que cada ser tem de decorrer a sua alma; esse altivo e sombrio Chateaubriand, tão entregue à sua visão das coisas....; Lamartine, sentimental de mais, são de mais, mas tão tocado das traiçoeiras doçuras do sonho, tão consciente, malgré seu Gesto, do fofo das antecâmaras da inacção absoluta; esse Grande Emigrado da Estrela Futura, Edgar Poe, em cujos versos (não falando na reles {…}) há um hálito de uma outra espécie de música, de uma outra margem de ideação que não a tocada nos sentimentos, a fronteira à consciência das emoções; Baudelaire, imperfeito por perfeição; Verlaine, santo transviado, cujos pés tocaram na poeira ígnea dos caminhos do Inferno, cujos ouvidos sentiram o hálito dos segredos impercebidos dos anjos depostos; Mallarmé, o sensual dos hálitos rítmicos das coisas, sombra fugaz de parque morto, os contornos se perdem e a noção das ideias se funde com a bruma das almas; O’Shaugnessy, cuja breve canção aos sonhadores vale por tantas {…}; uma ou outra nota de O’Shaugnessy, um ou outro poema de Beddoes, dois, três versos – casuais e figuras na bruma, de Darley {…}

 

Os poetas da decadência da Renascença inglesa. John Donne, em quem primeiro aparece a noção de crepúsculos da alma

 

 [8v]

 

Crashaw, que vive tudo no final da sua Ode a Santa Teresa em que o espírito se torna fogo vivo e a devoção queima como chama.

 

{…} toda esta baixa-latinidade das almas.

 

Shelley, lunar e alado, Keats, alma[1] da voluptuosidade, tão soberano na indiferença às utilidades que Carlyle escocesmente lhe chamou o verdadeiro tipo do escravo do Inferno. Certos trechos de Coleridge, que não são inteiramente desse mundo, ensinaram Poe a escutar a música que faz esquecer a vida. Certos momentos de {…}

 

|Os simbolistas todos, os “decadentes” todos, os modernos todos – salvo os futuristas, que não são arte, mas um realejo sem música dentro.|

 

Fizemo-los todos colaborar na dissolução doentia das nossas almas. De cada corrente dessas aproveitamos apenas o que não devera servir. Nos românticos fomos, através do seu panteísmo profuso, beber aquela indisciplina do sentimento religioso que o panteísmo produz. Com os poetas mais antigos aprendemos a {…}

 

Aos clássicos – em quem desprezamos a nitidez da forma e a proporção dos contornos – apenas fomos buscar o que tem de Eterno, que é a estruturação, a construção dos seus conjuntos. 

 

 

[1] alma /superpõe o sentido\

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4204

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Publicação parcial: Teresa Rita Lopes, Fernando Pessoa et le Drame Symboliste: heritage et création, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 494-495.
Publicação integral: Rita Patrício, Episódios - Da Teorização Estética em Fernando Pessoa, Braga, Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, 2008 [cf. Rita Patrício, Episódios - Da Teorização Estética em Fernando Pessoa, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2012, pp. 363-365].
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