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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/4_31
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta a Fernando Pessoa, enviada de Paris, a 1 de Abril de 1913.

 

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Paris 1.º abril 1913
Meu querido Fernando Pessoa,

Pelo mesmo correio envio-lhe um n.º do Mercúrio de hoje aonde o Ph. Lebèsgue fala do meu livro. Saiu pois certa a profecia de você. Curiosa a evocação do nome do António Patrício ao lado do meu, e do António Patrício autor do Homem das Fontes... Peço-lhe que na sua próxima carta me acuse a recepção do n.º do Mercúrio.

Actualmente trabalho na conclusão daquela peça Irmãos que você conhece em esboço. O nome porém de forma alguma se pode conservar pelas razões que lhe vou expor:

A peça é, no seu foco, o estudo do carácter do «Irmão» e, sobretudo, desta circunstância psíquica: um homem cometeu um crime; demonstram-lhe que se enganou. E ele que se torturava por o ter cometido, mais desoladoramente torturado fica ao saber-se inocente. Porque tudo então foi inútil, todos os seus combates de alma, toda a sua vida, numa palavra. E depois, sobretudo, vê-se despojado da beleza – beleza dolorosa, mas em todo o caso beleza – que a tanta ânsia amarga suscitava na sua vida. A anedota dos irmãos que não são irmãos, o amor incestuoso, apenas servem de armadura ao caso psicológico que se pretende evidenciar e, mais importantemente, para estabelecer a atmosfera torturada, perturbadora. Logo chamar ao trabalho Irmãos seria um erro. O leitor imaginaria sem dúvida que o fim principal do artista fora estudar um drama de família e um caso passional, um mero caso passional. E eis do que se não trata. O título muitas vezes pode ter importância sobre a obra. E é este um dos casos, em que a deturparia, obscureceria – erraria.

De dois títulos me lembrei e ambos me agradam, optando entanto pelo 1.º.

1.º – «Um Estudo a Ruivo»

2.º – «Crime Perdido»

«Crime Perdido» é um belo título mas peca talvez por defeito contrário ao primeiro. Ilumina, aclara em demasiado o pensamento do autor e restringe demasiadamente também. Enquanto que o outro, estranho, bárbaro na consonância, não localiza nem obscurece – é lato, envolve toda a acção. Com efeito não se deve de forma alguma desprezar o carácter da irmã e o caso destes dois moços que se esquentam a imaginação numa hiperintelectualização e resvalam para o abismo.

«Estudo a Ruivo» – ruivo simbolizando na sua cor indecisa, artificial e perturbadora as almas dos dois protagonistas.

Diga-me você o que pensa deste título que à primeira vista pode chocar, mas que me parece não só próprio como belo. E diga também se prefere porventura o «Crime Perdido».

Devo-lhe dizer que espero muito deste meu trabalho. Muitas alterações tenho feito e farei no já escrito. O 3.º acto já em rascunho o compus de novo muito a meu contento. O 2.º em que actualmente trabalho parece-me, quanto à forma, uma das coisas mais belas que tenho escrito.

Esta peça, infelizmente, nenhum teatro português a poria em cena. Como sabe, ela é destinada a completar, com A Confissão de Lúcio e Gentil Amor, o meu volume.

Perturbadoramente duas novelas e um episódio

Mais uma vez lhe peço desculpa das contínuas estopadas que lhe dou.

Até breve e responda depressa, sim, contando muitas coisas e em muitas páginas!

Obrigado por tudo!

 

E um grande abraço

o seu muito muito amigo o

Sá-Carneiro

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5270

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre 4 folhas pautadas e timbradas.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1913 Abr 1
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Nomes relacionados
Ph. Lebèsgue
António Patrício

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115/4
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.