Poeta, contista e dramaturgo, colaborador de revistas como a Contemporanea, Athena, presença, Bandarra, Diabo, e dos principais jornais (Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Primeiro de Janeiro, Diário Popular, Os Sports), é uma figura controversa no meio modernista português. Desde os tempos de Orpheu, pelo menos, Botto frequenta os cafés e as tertúlias onde Pessoa circula. Este tornar-se-á não só seu amigo, mas também um dos seus mais aturados críticos e defensores. A 2ª edição do seu livro Canções (1ª ed., 1920) é dada à estampa com a chancela da editora Olisipo, em 1922, e Pessoa dedica-lhe um artigo, «António Botto e o ideal estético em Portugal» (Contemporanea, nº 3), muito elogioso. A arte de esteta de Botto é aí caracterizada pela «ausência de elementos metafísicos e morais na substância da sua ideação». Segundo Pessoa, duas ideias presidem à inspiração do poeta, substituindo a metafísica e a moral: as ideias de beleza e de prazer. Canções, que Pessoa chega a traduzir para inglês, surge-lhe como um «hino ao prazer, porém não ao prazer como alegria, nem como raiva, senão simplesmente como prazer». Encontra, antes, nesse livro, «a intuição do fundo trágico do ideal helénico». Mas, na Europa cristã, diz Pessoa, a concretização deste estetismo só pode dar-se por desvio patológico sem desequilíbrio. Pessoa alude, assim, à homossexualidade assumida por Botto nos seus versos, o que faz dele um alvo fácil de ataques dos meios intelectuais conservadores. Aliás, a 2ª edição de Canções seria, algum tempo depois, apreendida e queimada no Governo Civil de Lisboa, juntamente com Sodoma Divinizada de Raul Leal e Decadência de Judith Teixeira. E o artigo de Pessoa merece uma violenta resposta no número seguinte da revista, por parte do crítico Álvaro Maia, in «Literatura de Sodoma, o sr. Fernando Pessoa e o ideal estético em Portugal». Incluindo o livro de Botto nessa chamada «literatura de Sodoma», Maia insurge-se ao mesmo tempo contra a defesa que Fernando Pessoa faz da «torpe exibição do amor trácio». Botto é apelidado de «rebotalho» da sua geração, cujo «culto da beleza máscula» não é mais do que «ânsia de satisfação duma carnalidade monstruosa». O artigo de Maia merece apenas um irónica correcção de português, por parte de Pessoa, numa nota inserta no nº 5 da revista de José Pacheco. Mas, no nº 4, Pessoa interviera também em defesa da poesia de Botto, através de uma carta de Álvaro de Campos ao director de Contemporanea. O heterónimo, ao contrário do seu criador, diz louvar, em Canções, a força, que nada tem que ver com ideais e estéticas, mas com a própria imoralidade. A mesma assumpção de homossexualidade continuará a ser objecto de polémica, por alguns anos mais. Em 21 de Julho de 1934, por ocasião da publicação de Ciúme, José Régio escreve, no Diário de Lisboa, um artigo em que manifesta o seu muito apreço pela obra de A. Botto. É este artigo que desencadeia uma longa controvérsia, nas páginas de Fradique, opondo Régio a Tomás Ribeiro Colaço, director da revista, e em que intervêm, em prol de Botto, Marques Matias e Artur Augusto, ligados à revista Momento. Pessoa terá pensado entrar na liça, reeditando a sua defesa do amigo, conforme mostra o rascunho de uma carta que, provavelmente, não chegou a enviar. Dirige-se ela a Tomás Colaço (que  não considera Botto digno de ser chamado poeta). Pessoa tenta provar que essa obra obedece a um triplo critério de qualidade: há nela novidade; há beleza nessa novidade; há inteligência nessa beleza (COR,II, p.333). Mas, num artigo de 1-3-1935, no Diário de Lisboa, acaba por  se ocupar de Ciúme, considerando representar «uma nova fase» de Botto: a de um «inteligente das superfícies» e de um «ironista das suas emoções». Pode, pois, Botto agradecer a Pessoa o facto de este lhe ter dedicado tanto tempo do seu labor de crítico literário, ajudando, assim, a chamar a atenção para uma obra tantas vezes incompreendida e desprezada pelos piores motivos. Pessoa procura sempre centrar-se no essencial da escrita bottiana, deixando o acessório para os outros. Se, em público, nunca lhe regateia o apreço, verdade se diga que, em privado,  não se coibe, por vezes, de denunciar algumas fragilidades dessa obra. É o que acontece, por exemplo, com Os Motivos de Beleza, de 1923, que Pessoa classifica de «lástima», numa carta ao modernista espanhol Adriano del Valle, na qual reconhece também que o seu autor, apesar do seu «espírito estético», não tem lugar entre os maiores. É extensa, contudo, a bibliografia de Botto. Destaquemos: no que respeita à poesia, para além de Canções, com mais de uma dezena de edições, e de Ciúme, Trovas (1917), Cantiga de Saudade (1918), Curiosidades Estéticas (1924), Olympiadas (1927), Dandysmo (1928), Sonetos (1938); em prosa, O Livro das Crianças (1931), Cartas que me foram devolvidas (1932), O meu Amor Pequenino (1934) e, principalmente, os Contos (que atingiram em vida do autor, oito edições); no teatro, sobretudo, as peças Alfama (bairro popular onde Botto viveu grande parte da infância) e António, ambas de 1933. Esta última traz em apêndice um estudo crítico de Pessoa. Destaquemos ainda uma Antologia de Poemas Portugueses Modernos (1929), feita em colaboração com Fernando Pessoa, de que saem três fascículos e o facto de alguns dos seus contos infantis terem sido «oficialmente aprovados nas escolas da Irlanda» (conforme noticia o Diário de Lisboa, de 24-12-1942). A prolixa obra de Botto e o número das edições atingido por tantos dos seus livros revelam, sem sombra de dúvida, uma grande receptividade por parte do público leitor. Isso se deve, certamente, não só ao pendor confessional do seu lirismo, às temáticas e à linguagem de sabor popular, mas também à sua ligação ao teatro de revista (para o qual é convidado muitas vezes a escrever) e ao meio do espectáculo em que se move (é amigo de actores e actrizes e cineastas; escreve um pouco sobre tudo, inclusive sobre desporto) e até ao escândalo que lhe está associado. Botto acabaria mesmo por se ver demitido, em 1942, do funcionalismo público, facto a que não é alheia, em pleno salazarismo, a sua orientação sexual. Em 1947, parte para o Brasil, com Carminda Rodrigues, a mulher que o acompanhará até ao final da vida (morre vítima de atropelamento, numa avenida do Rio de Janeiro), continuando a colaborar na imprensa portuguesa e marcando também presença na vida cultural brasileira. As dificuldades económicas, aliadas à sua diagnosticada mitomania ou megalomania (alguns falam de extrema vaidade), sinais de uma deterioração mental que se agrava progressivamente, tornam drmáticos os últimos anos da sua estadia no Brasil. São sintomáticas do seu narcisismo doentio, as marginálias que inclui nas sucessivas edições dos seus livros, com citações encomiásticas sobre o seu «génio», todas elas assinadas por grandes escritores já falecidos, o que faz pensar que algumas terão sido forjadas. No entanto, não deve deixar de ser realçada a modernidade de Botto, a que Pessoa e Régio são sensíveis, e a forma como, segundo as palavras de Jorge de Sena, consegue «transformar o versilibrismo pós-simbolista (...) em microdramas de uma subtileza psicológica e emocional por vezes admirável, brevíssimos monólogos dramáticos, densos da amarga teatralidade dos encontros e das separações eróticas, em que os versos desarticulados ou as pausas e os intervalos estróficos adquirem uma poderosa capacidade expressional» (in Líricas Portuguesas, 1958). E, igualmente, a sua originalidade que, para Natália Correia, «reside, sobretudo, no desassombro com que procura redimir o lado negro do erotismo, disputando luminosamente a homossexualidade a uma maldição que até aí a aprisionara à grilheta da sátira ou da musa obscena» (in Antologia da Poesia Erótica e Satírica, 1966).

 

Manuela Parreira da Silva