Artigo publicado em duas partes, nos n.os 3 e 4 da revista Athena, em 1924-1925, e assinado por Álvaro de Campos. Na primeira delas, e a seguir a citar Einstein e Riemann, o que não é de somenos no panorama cultural português da altura mas se compreende por parte de um informado engenheiro, Álvaro de Campos propõe «uma estética baseada, não na ideia de beleza, mas na de força» (C 237). De notar, desde logo, que esta é uma estética considerada «nova» pelo seu autor, e destinada à «possibilidade de se construirem novas espécies de obras de arte», o que é em tudo condizente com a Vanguarda que é sua matriz (C 237). A força, pois, que se manifesta na «sensibilidade» em que a arte se baseia, é o desencadear de uma intensidade que se opõe à  harmonia clássica. E que tem uma natureza rigorosamente individual e singular: «Assim, ao contrário da estética aristotélica, que exige que o indivíduo generalize ou humanize a sua sensibilidade, necessariamente particular e pessoal, nesta teoria o percurso indicado é o inverso: é o geral que deve ser particularizado, o humano que se deve pessoalizar, o “exterior” que se deve tornar “interior”» (C 239).

Segundo Almeida Faria, esta contraposição estética recobre a oposição de «dos termos dialécticos pensar-sentir, ideia-emoção, inteligência-sensibilidade» que atravessa as várias figuras do universo pessoano (1980: 104). E, de facto, o Pessoa ortónimo, no texto de apresentação da revista Athena, explica: «Da sensibilidade […] nasce a arte per o que se chama inspiração», acrescentando logo: «A só sensibilidade, porém, não gera a arte» (C 219). Ao passo que, no pólo oposto que este artigo constitui, Álvaro de Campos situa toda a arte na sensibilidade.

Outra noção com que termina a primeira parte é a de que a estética aristotélica é como a ciência, pois nelas se parte do particular para o geral, ao passo que a arte não-aristotélica é o seu exacto contrário, dado que nela se parte do geral para o particular. Mário Saa há-de responder de imediato a Álvaro de Campos, no número seguinte da Athena, argumentando que essa oposição entre a arte e a ciência acaba por redundar numa certa forma de identidade entre elas.

Nesse mesmo número, Álvaro de Campos pormenoriza a sua teorização anterior, desta vez do ponto de vista da natureza social da arte, declarando que a arte não-aristotélica, em vez de fazer o esforço de captar os outros, antes prefere subjugá-los. Assim, em vez de uma arte baseada na beleza e na inteligência cujo fito é agradar, ele propõe uma arte baseada na força e na sensibilidade cujo fito é dominar. E insiste: em vez de subordinar a sua sensibilidade à sua inteligência para se tornar acessível aos outros, «o artista não-aristotélico subordina tudo à sua sensibilidade», de modo a tornar-se «um foco emissor abstracto sensível» a que os outros não possam resistir. Ora, este contraste das ideias de beleza e de força – paralelo ao próprio diferendo Fernando Pessoa / Álvaro de Campos no palco criado pela Athena – serve, em última análise, para deduzir o provocatório parágrafo final: « De resto, até hoje, data em que aparece pela primeira vez uma autêntica doutrina não-aristotélica da arte, só houve três verdadeiras manifestações de arte não-aristotélica. A primeira está nos assombrosos poemas de Walt Whitman; a segunda está nos poemas mais que assombrosos do meu mestre Caeiro; a terceira está nas duas odes – a Ode Triunfal e a Ode Marítima – que publiquei no Orpheu. Não pergunto se isto é imodéstia. Afirmo que é verdade» (C 245). E esta conclusão serve igualmente para situar em cena Alberto Caeiro, que, com Ricardo Reis, a revista Athena vem publicamente apresentar.

Com o Ultimatum, de 1917, este é o outro texto crítico que fundamenta a estética do Sensacionismo, embora em 1924 esta palavra já não tenha curso no trabalho literário de Pessoa. Os seus pressupostos opõem-se à estética que será mais tarde a do fingidor, configurando um modo muito puro de pensar poeticamente Álvaro de Campos.

 

FCM