Imprimir

Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14-1 – 4
Imagem
[Sobre Alfredo Pimenta]
PDF
Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre Alfredo Pimenta]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 141 – 4]

 

No Diário Nacional do dia 29, em crítica feita à revista Centauro, recém-aparecida, faz o sr. Alfredo Pimenta determinadas considerações sobre a obra, ali inserta.

 

No “Diário Nacional” de 29, no decurso de uma crítica geral, feita ao primeiro número da revista “Centauro”, o sr. Alfredo Pimenta alonga-se num número de considerações desfavoráveis sobre a colaboração, nessa revista, do poeta Camilo Pessanha.

Tanto porque essa crítica envolve pontos de vista muito contestáveis, como porque um preconceito malévolo, se não sei que origem, a vicia, acho conveniente que sobre ela se não deixem de consignar determinadas considerações.

Antes de mais nada, será útil inquirir (e isto é possível sem que se saia das normas mais rigorosas da discussão jornalística) em que assenta o sr. Alfredo Pimenta a competência, que a si confere, para praticar a crítica literária.

Entre nós, como aliás, em muita parte do estrangeiro, a crítica literária está entregue a indivíduos sem preparação alguma para formar um juízo em matéria de arte escrita, quer por uma falta total de cultura, quer por uma especialização excessiva em certas formas da leitura.

 

O sr. Alfredo Pimenta realiza, adentro da secção especial do jornalismo, o tipo do erudito, contrastando-o com o do homem culto. Creio necessário estabelecer entre o homem de erudição, e o de cultura, uma distinção importante. De certo modo, ela pode ser baseada naquela observação de Walter Bagehot, quando, analisando, qual seria a qualidade fundamental do espírito de Shakespeare, verificou que devia a ser a capacidade de experienciar, the experiencing capacity. Queria ele dizer que o que caracterizava o espírito de Shakespeare era a sua espontânea tendência para utilizar todos os factos que lhe

 

 

[4v]

 

caíssem sob a experiência para aumento e cultura do seu espírito.

 

A erudição envolve apenas a abundante leitura com a precisa compreensão do que se lê. A cultura pode não envolver uma leitura extensa; o que fatalmente envolve é o que, em geral, é resultado de uma leitura extensa – aquela atitude de espírito que se marca por uma absorção profunda de tudo o que lê, vê, ou de qualquer outro modo experimenta.

Temos, pois, que nisto consiste, fundamentalmente, a diferença entre a erudição e a cultura: que, ao passo que a erudição é uma questão de quantidade, a cultura o é de qualidade; que, ao passo que a erudição é uma questão de superfície, a cultura o é de profundeza; que, ao passo que a erudição atinge apenas, nos seus efeitos psíquicos, a inteligência, a cultura atinge todas as faculdades de espírito, incidindo sobre a sensibilidade como sobre as faculdades simplesmente intelectuais.

No fundo, a distinção real consiste em que o erudito não é um imaginativo; ao passo que o é o homem culto.

 

Com a diferentia de pertencer à espécie jornalística, o sr. Alfredo Pimenta é um exemplo assaz curioso do tipo do erudito. A sua leitura; que é vasta, não produz nele efeitos que passem para além da sua inteligência; ele não se adapta ao meio intelectual que cria em seu torno, com o que lê. Assim, lendo e relendo obras estrangeiras, notando-as e citando-as em abundância, não há trecho dos seus escritos que marque que esse espírito cosmopolita penetrasse no âmago do seu ser. Ele permanece, ao fim de todas as citações de Wildes e de Loirrains, impenetravelmente português, e, o que é pior, provincianamente português. O seu espírito é todo em linhas rectas, sem ondulação nem imprecisão; a sua sensibilidade é sempre a de outra pessoa. Pertence ao tipo vulgar do ledor que vê quadros através dos críticos e sente versos através da interpretação deles.

Se qualquer coisa bastasse para o provar, serviria o facto de ele ser, como todo o português, escravo da hipnose do estrangeiro. É essa hipnose que o faz preferir as Serres Chaudes aos poemas de Camilo Pessanha, tão evidentemente superiores, o que de resto pouco representa, dado o pouco peso que as Serres Chaudes têm na balança de qualquer crítica esclarecida.

A sua admiração out of date por Wilde, que nunca foi uma figura de destaque na literatura inglesa, mas apenas na sociedade inglesa e no meio literário londrino – o que não é a mesma coisa. A sua prosa nada vale ou marca na evolução da prosa inglesa; e do seu verso não se pode falar, por isso que é de |*fraco|.    

 

Notas de edição

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Pauly Ellen Bothe, Apreciações literárias de Fernando Pessoa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2013, pp. 209-211.
Exposições
Itens relacionados
Bloco de notas