Identificação
Carta enviada de Paris, no dia 3 de Julho de 1914.
**
Paris 3 julho 1914
Meu Querido Amigo,
Você vai perdoar tanta repetição!
Recebi hoje uma carta da Livraria Ferreira na qual acusam a recepção da minha e me dizem terem ficado cientes do seu conteúdo e esperarem as minhas ordens. Assim, se por qualquer razão você ainda lá não foi, suplico-lhe que vá lá hoje mesmo requisitar os Princípios e hoje mesmo os venda, enviando-me a importância – sobretudo não se esquecendo de me telegrafar para meu sossego. Não se preocupe se por acaso não tiver dinheiro para pagar os fretes adiantados. Faça como eu fiz muitas vezes: diga ao livreiro da Calçada do Combro que não tem troco. Ele paga – e depois desconta no dinheiro que lhe tiver a entregar. Eu faço-lhe todas estas recomendações porque receio que você se prenda com pequeninas coisas. E é claro que, de joelhos lhe imploro perdão por tudo isto – por todas estas recomendações, estas insistências tolas. Mas veja que procedo para si como um verdadeiro Amigo – isto é: com a franqueza máxima. Compreenda bem e perdoe-me. É só por estar preocupado com o pouco dinheiro que tenho que tanto disparate lhe digo – Perdoe-me. Se por acaso você estiver à espera, suponhamos, que o Bordalo lhe dê os livros para vender tudo junto, telegrafe-me dizendo-me para eu ficar tranquilo. Desde o momento que o dinheiro chegue até 10 tudo está bem. Agora se for impossível, previna-me sem demora para eu a 7 o mais tardar pedir que mo enviem de Lisboa. E repito-lhe: se só puder realizar as Confissão de Lúcio, Dispersão, mande-me o dinheiro, por pouco que seja, de qualquer forma, mas não me deixe de avisar telegraficamente em nenhum dos casos. Coro de vergonha a pedir-lhe que me desculpe tudo isto – pois em verdade é abusar – e abusar inutilmente porque decerto amanhã ou depois me chega carta sua com todas as explicações e assim tudo quanto lhe digo nesta fica sem efeito. Devo-lhe dizer de resto que escrevi hoje ao meu pai mandando-lhe a conta da Livraria Ferreira a fim dele a pagar. – Não tenho nada de interessante a dizer-lhe. Mesmo esta carta é tão infame que falar nela doutra coisa, de alma ou literatura, seria engordurar uma coisa ou outra. Apenas lhe direi que o Crévan faz proximamente uma conferência em seu benefício aonde para exemplificar as suas teorias dançará e boxará. É absolutamente Petite Semaine, não acha?
– Bem, adeus, meu querido e Santo amigo. Perdoe-me! Perdoe-me! Não se esqueça do que lhe rogo – e escreva-me!...
Um grande, grande Abraço do seu
Mário de Sá-Carneiro
Rasgue esta carta da sua alma!
Post-Scriptum
Suponhamos que você não tinha recebido a carta em que lhe fazia o meu pedido e que assim ficava às aranhas ao receber esta: o que eu lhe pedi foi que fosse ao Bordalo requisitar todas as Confissão de Lúcio e Dispersão que lá tivesse e à Livraria Ferreira requisitar todos os Princípios. (Escrevi a ambas as casas nesse sentido.) Depois que fosse à Livraria Universal 30, Calçada do Combro vender tudo isso onde devem pagar as C. de L. a 50 réis as D. a 20 réis e os Pr. a 70 réis. E que me enviasse sem demora o dinheiro recebido. Desculpe ainda mais esta madureza. Adeus. Outro grande abraço.
o
Sá-Carneiro
Perdão! Perdão!