Identificação
Bilhete-postal enviado de Paris, no dia 6 de Setembro de 1915.
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M. de Sá-Carneiro
Paris 6 setembro 1915
«Serradura»
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
E ei-la, a mona, lá está
Estendida – a perna traçada –
No infindável sofá
Da minha alma estofada.
Pois é assim: a minh’Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapassou-se de calma
E hoje sonha só pelúcias...
Vai aos Cafés, pede um boc,
Lê o Matin de castigo –
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo!
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa mas que maça:
O Zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa...
Folhetim da Capital
Pelo nosso Júlio Dantas,
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual...
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o estuporinho
Pende prà burocracia...
Qualquer dia pela certa
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate
Se encontra a porta aberta...
Pouco a pouco vai-se embora
Tudo quanto nele havia
Que tinha alguma valia
– Manteiga que se dessora.
Isto assim não pode ser...
Mas como achar um remédio?
– Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:
O que era fácil – partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saído
De barrete de papel
Gritando «Viva a Alemanha!»
Mas a minh’Alma em verdade
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade,
Vou deixá-la – decidido –
Num lavabo dum café
Como um anel esquecido.
É um fim mais «raffiné»...