Identificação
Carta enviada de Paris, no dia 20 de Agosto de 1914.
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Meu Querido Amigo,
Recebi hoje o seu mandado telegráfico que muito agradeço. Assim peço-lhe desculpa da minha última carta – pois que a demora na recepção foi apenas devida aos serviços postais desorganizados – e por forma alguma a descuidos da sua parte. Afinal – você sabe bem como as minhas decisões ondulam – mandei hoje um telegrama a dizer que ficava anulada a carta em que pedia dinheiro para me ir embora. Fico portanto em Paris até nova ordem... Sou maluco – não sou? De resto, nenhumas novidades. Isto duma insipidez infame; uma vida chata, provinciana (ó pasmo) bem pior do que a de Lisboa. Paris de província – e não Paris da guerra como eu escrevia outrora... Ao mesmo tempo o meu pai, de Lourenço Marques, escreve-me que as ruas lá são asfaltadas...
Agora uma coisa da maior importância – porque é que você se reduziu de súbito a um silêncio sepulcral? Desde o fim de Julho que não me escreve – e estamos a 20 de Agosto!
Francamente não percebo!...
Literatura – Mandei-lhe há três dias uns versos: «Taciturno». Recebeu? Esqueceu-me então de juntar esta sextilha sem importância que tinha feito antes:
«Sugestão»
As companheiras que não tive
Sinto-as chorar por mim, veladas,
Ao pôr do sol, pelos jardins...
Na sua mágoa azul revive
A minha dor de mãos finadas
Sobre cetins...
Paris – Agosto de 1914
A «Grande Sombra» que esteve interrompida durante duas semanas – recomecei antes de ontem trabalhando-a. Tenho-a apurada até ao «Domínio do Mistério» inclusivamente. Assim conto-a ter pronta por meados de Setembro – se não interromper mais o meu trabalho como espero.
Meu Amigo suplico-lhe de novo que volte às suas admiráveis cartas cuja falta eu tenho sentido neste ambiente desolado, numa agonia de desamparo. Diga-me [se] recebeu uma carta onde eu lhe explanava um conto «Elegia» (antigo «Triste Amor»)? Adeus. Novos agradecimentos pela sua ilimitada gentileza e mil, mil abraços.
o seu
Mário de Sá-Carneiro
Saudades do C. Franco.