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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/5_32
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Barcelona, no dia 29 de Agosto de 1914. 

 

 **

Barcelona

29 de Agosto de 1914

 

Meu Querido Amigo,

 

Pois é verdade. Aqui estou em Barcelona. Por quanto tempo? Mistério... E daqui para aonde irei? Mistério ainda mas, ai, seguramente para Lisboa. Você não imagina o meu estado de alma actual. Ah! meu amigo – é uma crise abominável... De forma alguma estou bem e não sei o que me falta... Pergunto a mim próprio porque estou em Barcelona. Não sei bem. Foi para fazer qualquer coisa... Eu podia perfeitamente ter ficado em Paris apesar do ambiente desolador. Seria o mais «ajuizado», o mais económico – sem dúvida a solução preferível, a única – apesar de todas as contingências mesmo do possível – mas quanto a mim bem pouco provável – cerco de Paris. Mas não. Parti. E parti – coisa estranha – numa sensação de despeito, de orgulho despeitado, melhor dizendo: e de ternura perdida. É muito singular, mas é assim – sinceramente. Não sei mais nada. O certo é que segundo ontem escrevi ao Guisado a minha vida volveu-se ultimamente numa noite de insónia. Ando agora na vida às voltas nos lençóis. Mas não logro achar posição possível. Estou mal em Paris, estou mal em Barcelona – estarei horrivelmente mal em Lisboa. Depois a minha tristeza d’hoje é uma tristeza sem entusiasmo, abatida e flácida, de carnes amarelas... Qualquer coisa também de «dose» – de cozimentos de plantas soporíferas. Daí uma contínua dispersão física – uma distracção contínua que se traduz em borrões em cartas, em enganos de palavras, etc. Cada vez me convenço mais de que não posso passar sem Paris. Mas o meu Paris hoje é também um desaparecido como eu. Porque é verdade: eu, creia, desapareci de mim, de todo. Não lhe disse nos primeiros tempos em que estive em Paris este ano que chegara o meu fim? Pois mais do nunca creio que disse bem. Ao tempo escrevi até este verso perdido:

«O fim de mim embandeirado em arco».

Eram Paris essas bandeiras. E hoje arrearam-nas. Eu próprio as acabei de arrear, partindo incertamente... Tudo isto é muito embrulhado, tolo até, se você quer. Mas não lhe posso explicar melhor – embora talvez haja, quem sabe, outras pequeninas razões. Paris enfim meu amigo era as mãos louras, a ternura enlevada que não teve nunca a minha vida. E hoje bateram-lhe, fecharam-no em casa. Daí o meu sofrimento magoado, amoroso – é verdade: amoroso – ao relembrá-lo... Enfim não sei... não sei... Apenas sei que me sinto como nunca triste, que sou infeliz como nunca... A minha vida hoje é uma porta fechada, sobre um saguão enorme onde se roja o meu tédio. Perdoe-me. Escreva-me em todo o caso na volta do correio para Barcelona. Se já aqui não estiver a carta não se perderá pois ma devolverão para Lisboa. O dia da minha chegada aí telegrafar-lho-ei a seu tempo. Barcelona, detestável quanto a figuração. Nesse sentido terra de província, lepidóptera, só a subgente. Mas belas avenidas e edifícios.

 

Milhões de abraços

do seu seu

Mário de Sá-Carneiro

«Palace-Hotel» ronda de S. Pedro Barcelona

 

Escreva por amor de Deus imediatamente para Barcelona!...

 
 
Notas de edição

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre folhas lisas e sobrescrito timbrados.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1914 Agosto 29
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Barcelona
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.