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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/7_4
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Paris, no dia 5 de Fevereiro de 1916. 

 

 **

Paris – Fevereiro 1916

Dia 5

Meu Querido Amigo

 

Recebi ontem a sua carta de 30 e hoje a cópia dactilografada da minha carta sobre a «Novela Romântica». Não sei como lhe agradecer tanta maçada. Você poderia muito bem ter mandado a minha carta que eu lha devolveria. Muito, muito obrigado no entretanto – pois assim evitou-me trabalho e eu tenho um papel limpo em vez das minhas garatujas: Mas para esgotar assunto «Novela Romântica»: Depois de bem pesar o assunto e de ler, sobretudo, a minha carta – vejo que é preciso tomar cautela com a nova personagem do sr. Estanislau Belcowsky que tive a honra de lhe apresentar na carta passada. Com efeito o interesse máximo da novela reside na intersecção romântico-sensacionista da psicologia de Heitor de Santa Eulália, que, por isso mesmo, tem que ter na sua alma pontos de semelhança com Estanislau Belcowsky. Mas este será como que o seu espelho: o espelho porém que só reflecte o que há nele de puramente sensacionista. Heitor reconhecerá em Estanislau a parte mais estranha que há em si próprio e ele menos conhece e se pode explicar. Estanislau será para Heitor a prova de que existem as suas estranhezas: que examinadas ontem – mais desenvolvidas e completas, mas da mesma ordem – ele, nunca entendendo o seu mistério, melhor reconhecerá a sua beleza. Estanislau será dentro da novela o padrão, a mira do seu elemento interseccionista: como o romance amoroso de Heitor, o seu puro elemento romântico. E teremos assim este grupo de três personagens:

Heitor – romântico-sensacionista
Estanislau – sensacionista puro
O conde Ludovico Bacskay – romântico simples.

Compreende bem o meu fim? Concorda com isto — sobretudo com o interesse da figura de Estanislau? Rogo-lhe que medite bem no assunto, que faça por compreender a minha ideia – pois antes de assentar definitiva e minuciosamente o meu plano quero ter a sua opinião sobre este ponto capital. Se porventura me engano e a figura de Estanislau é inútil, pouco interessante ou prejudicial – diga-mo com inteira franqueza. Esteja porém certo que saberei salvar o perigo que a sua introdução na novela podia oferecer quanto ao apagar a psicologia, ou antes a intersecção psicológica, de Heitor de Santa-Eulália. Oiça ainda: Estanislau será um fantasma às avessas: o fantasma duma criatura que ainda não nasceu: o fantasma dos heróis de novelas duma nova arte ainda não nascida: o fantasma, em suma, de Inácio de Gouveia, de Ricardo de Loureiro. Esta ideia ocorrerá mesmo a Heitor. E perante Heitor – repito – ele será a «chamada»: alguém que o fará melhor olhar para si mesmo pelos pontos de contacto que pouco a pouco descortina com ele. Em resumo: Estanislau Belcowsky e o conde Sérgio de Bacskay somados, darão Heitor de Santa-Eulália. Quem diz Estanislau diz, por exemplo, Ricardo de Loureiro – quem diz o conde Bacskay poderia dizer Antony ou Armando Duval. Compreende bem? Tem isto interesse? Por amor de Deus, suplico-lhe que não se esqueça de o discutir na sua carta imediata. Esta novela interessa-me imenso – estou ansioso por escrevê-la: mas não quero principiar antes de ajustados os mínimos detalhes. Rogo-lhe pois com mil desculpas que na sua primeira carta me diga a sua opinião. Agora ainda uma maçada: tudo quanto lhe digo nesta carta sobre a novela copiei-o para mim. Mas o mesmo não fiz com os detalhes que outro dia lhe comuniquei sobre Estanislau. Preciso deles. Tenha paciência de me copiar as linhas que se referem a esse sujeito. Desculpe-me. Não mais o tornarei a incomodar. Conto absolutamente consigo: dizer-me a sua opinião sobre o caso que hoje lhe exponho e enviar-me o que lhe escrevi outro dia sobre o Estanislauzinho. Não se esqueça. De joelhos – perdão e obrigado. Mas resposta o mais urgente possível. Você é um santo!!!!!!

Atingi perfeitamente o que você me diz sobre teosofia. Estou de acordo nos mínimos detalhes. Perturbador, com efeito o que conta de se começar a encontrar teosofistas logo que em teosofia se pega – corro- borado pelo meu aviador... destruir o mistério é com efeito a maior das infâmias – destruí-lo puramente, claro. E como é arrepiadora e genial, por isso mesmo, a concepção do seu Fausto!...

Vai junto uma carta do Carlos Ferreira. Ele tenciona dar-lhe 50 francos moeda francesa (ou sejam qualquer coisa como 12 a 13 mil-réis) e um suplemento pelas páginas que você traduzir conforme ele lhe fala na carta junta.

Não tenho mais nada a dizer-lhe, infelizmente. Mas você conte-me coisas. O Exílio sempre aparece? Não se esqueça de me enviar imediatamente um n.o caso apareça.

Adeus meu amigo. Responda-me, por amor de Deus larga e brevemente.

Mil saudades e um abraço de toda a Alma.

o seu, seu Mário de Sá-Carneiro

 

Distribua saudades a quem se me recomenda.

Abrace sobretudo o Pacheco e o Vitoriano.

P. S. ATENÇÃO

Aquelas quadras lamentáveis – eliminando, claro, a da retrete – devem ou não fazer parte do «Colete-de-Forças»? Não se esqueça de mo dizer!

P. S. – Sobre a «Novela Romântica»

A ideia do fantasma às avessas ocorrendo a Heitor entusiasmá-lo-á inspirando-lhe uma grande esperança na beleza da sua própria alma – no provir ampliado da sua alma: na sua grandeza total, afinal de contas. Como o homem da era das máquinas terá saudades talvez do período romântico: ele tem saudades da era em que nascerão os heróis de novelas como é já Estanislau. E sente os dois jactos de beleza fundirem-se-lhe a ouro na sua própria alma. Tudo isto o alcooliza e dimana.

Repito: atinge bem? Não se esqueça de me falar largamente a este respeito!

Notas de edição

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre folhas lisas timbradas e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1916 Fev 5
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.