Identificação
Carta enviada de Lisboa, a 8 de Janeiro de 1916.
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Paris – Janeiro 1916
Dia 8
Meu Querido Amigo,
Recebi os seus dois postais de 3-4 que muito agradeço. Ansioso no entretanto aguardo carta. Pouco a dizer-lhe. Mas leia essa admirável, essa genial carta do Carlos Franco que envio juntamente e você me devolverá – sem pressa. Mostre-a, sobretudo, ao Pacheco e ao Rodrigues Pereira. Não se esqueça. Diga-me o que pensa dela – e sobretudo das frases que sublinho. A do «comboio de folha» fez-me vibrar um calafrio supremo. Que dó a situação do C. Franco – e que pena que ele não exe- cute a sua Alma numa obra! Que admirável escritor da nossa escola se não perde nele – que admirável artista! Não me acha razão? Fale. – O meu estado psicológico continua a mesma caçarola rota. Agora é pega- rem-lhe com um trapo quente – cada vez estou mais convencido. Cheguei ao ponto de escrever estas quadras:
Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou, mas de poder tocar-lhe...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe...
Viver em casa como toda a gente –
Não ter juízo nos meus livros, mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente...
Não ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas.
À minha torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra – e não fazer mais cenas!
Ter força um dia pra quebrar as roscas
Desta engrenagem que empenando vai.
– Não mandar telegramas ao meu Pai,
Não andar por Paris, como ando, às moscas...
(à suivre)
Já vê o meu querido amigo... Não lhe dizia eu que estava um boneco muito pouco interessante?... A melhor terapêutica, se tiver forças ainda para a aplicar é escrever a «Novela Romântica». Assim venho pedir-lhe um grande favor e causar-lhe uma grande estopada: procurar a carta em que eu lhe desenvolvi a novela pois perdi os apontamentos que tomara. Você assim faz-me um grande favor! Vamos a ver se ainda posso escrever aquela história. É o único remédio! Cada vez posso menos deixar de ser Eu – e cada vez sofro mais por ser Eu. Infelicidade porém que já não – como outrora – esse sofrimento me doire. Hoje apenas, juro-lhe, se me fosse possível, apagaria o oiro... Ai, ai que caranguejola! Desculpe estes lamentos. E procure a cartinha – sim? Tenha paciência. Mas logo que possa hein? – O José Graça escreveu-me uma carta que recebi hoje. Desfaz-se em desculpas, que foi o revisor etc., e que na Ilustração Portuguesa vão sair umas linhas sobre o assunto. Veremos...
Em todo o caso vê-se que ficou à brocha – e é amável o pequeno, vamos lá!... Mais nada lhe tenho a dizer – senão que pela sua imortalidade me escreva uma grande, grande carta urgentemente!!!
Dê saudades, muitas, a Rodrigues Pereira, Pacheco, Rui Coelho, Eduardo Viana, Vitoriano etc. ao Almada também.
Adeus. Escreva! o seu, seu
M. de Sá-Carneiro
Pergunte ao Rodrigues Pereira – para quem mando mais um abraço – se está mal comigo e com o Ferreira da Costa por não lhe termos enviado a mala. Como nunca mais nos escreveu...
P. S. – Não deixar de mostrar a carta a Franco, a Pacheco e Rodrigues Pereira.