Escritor e poeta italiano fundador do Futurismo, cujo manifesto inaugural publica, a 20/2/1909, no jornal parisiense Le Figaro. Se o Futurismo não se identifica exclusivamente com Marinetti, a figura do poeta italiano constitui no entanto, pelo seu contributo ideológico, teórico e criativo, a alma do movimento. Revolucionário pelo programa que defende – exaltando o futuro e os novos mitos da sociedade moderna (a máquina, a velocidade, o dinamismo, a vitalidade, a guerra) – mas acima de tudo, pela sua vocação global e pelo modo insistente e agressivo como promove a sua estética, o Futurismo surge como pioneiro da vanguarda histórica. Abrangendo todas as expressões da arte, o movimento ultrapassa, porém, a realidade artística, abordando temas diversos e envolvendo-se desde o início no meio político.

O Futurismo ditado por Marinetti repercute-se imediatamente na arte e na literatura europeias – sobretudo, enquanto propulsor de vanguarda no âmbito das diversas realidades nacionais – marcando definitivamente a trajectória do nosso primeiro modernismo lisboeta e, paralelamente, figuras como Francisco Levita, da boémia coimbrã, ou Carlos F. Porfírio, introdutor das ideias futuristas no Heraldo de Faro. A notícia do seu aparecimento chega-nos logo após a publicação do seu manifesto fundador (cf. Diário de Notícias, 26/2/1909) de que é publicada uma tradução parcial acompanhada por uma entrevista de Marinetti (in: Diário dos Açores, 5/8/1909). Na sua correspondência com Fernando Pessoa (cartas de Paris datadas de 13/7/14 e 13/8/15) Sá-Carneiro refere, para além da antologia de conferências, proclamações e manifestos publicada por Marinetti sob o título Le Futurisme (Paris, 1911) – cuja tradução e difusão em Portugal o pintor Santa Rita projecta – a aquisição do volume I Poeti Futuristi (1912) que recolhe poemas em verso livre de vários autores futuristas; uma proclamação de Marinetti aos «jovens italianos» englobando o manifesto político Tripoli Italiana (1911); o Manifesto Tecnico della Letteratura Futurista de M. (1912); um apanhado das actividades do movimento e da sua recepção; e um estudo de Paolo Buzzi sobre Il Verso Libero. Numa entrevista ao jornal O Dia (4/12/16), Amadeo de Sousa-Cardoso cita literalmente, a par do manifesto fundador do Futurismo, o Manifeste des Peintres Futuristes (Boccioni, Carrà, Rusolo, Balla, Severini, 1910) e Contre l’Art Anglais (M. e Nevinson, 1914). Depois, em 1917, há a Conferência Futurista no Teatro República e a publicação do Portugal Futurista.

O movimento marinettiano não origina em Portugal um grupo de seguidores ortodoxos. Além de Santa Rita Pintor, que considera ser o único «futurista declarado em Portugal» (Ideia Nacional, 4/5/16), o Futurismo é assumido como estandarte de vanguarda na criação de uma modernidade essencialmente portuguesa, sendo neste quadro, que surgem as revistas Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917). Embora seja clara a influência do Futurismo em Orpheu – no primeiro número, pela publicação da Ode Triunfal de Álvaro de Campos, mas sobretudo no segundo que anuncia uma série de conferências de teor futurista, e apresenta colaboração gráfica do «futurista» Santa Rita Pintor, os poemas Manucure e Apoteose de Mário de Sá-Carneiro, e a Ode Marítima de Álvaro de Campos – a revista é considerada por Pessoa como órgão do Sensacionismo. Ora, esta nova corrente nacional descende, não só da «baralhada de coisas sem sentido e contraditórias de que o futurismo, o cubismo e outros quejandos são expressões ocasionais», mas igualmente do «simbolismo francês» e do «panteísmo “transcendentalista” português», englobando «tudo», «todas as maneiras de sentir e de pensar» (PIAI 132 e 217-18). Também o Portugal Futurista, que, pelo próprio título, pela publicação de manifestos futuristas e pela atenção acordada a Santa Rita Pintor, surge directamente associado ao movimento de Marinetti, se apresenta, na prática, colaboração pouco ou nada futurista de Apollinaire, Blaise Cendrars, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa e Almada Negreiros que, para além de um Ultimatum Futurista fundamentalmente centrado na criação da «pátria portuguesa do século XX», nos oferece Saltimbancos, influenciado por Sónia e Robert Delaunay.

À fase «heróica» do movimento italiano (1909-1920), onde se estabelecem as bases de uma modernidade artística, sucede-se um «segundo Futurismo» (1921-1944) reduzido, no âmbito da sua implicação política com o fascismo, a não ser mais que uma «escola», dotada de uma poética própria e ultrapassada no tempo, que, através da figura de Marinetti, entra na Academia italiana em 1929. É desta segunda fase que data a vinda de Marinetti a Portugal, em Novembro de 1932. O escritor italiano, «naquela fase académica e na respectiva idade que se prestam lindamente a ser manejadas pelos putrefactos e pelos arranjistas», é recebido pelos «três mais categorizados inimigos do futurismo […], Dr. Júlio Dantas, Adães Bermudes e o jornalista António Ferro», e promove então uma ideologia «velh[a] de 23 anos e um dia», segundo as palavras acerbas de Almada Negreiros («Um Ponto no i do Futurismo», Diário de Lisboa, 25/11/32). Fernando Pessoa, num poema datado de 7/4/29 assinado por Álvaro de Campos, reage também ao Marinetti, Académico: «Lá chegam todos, lá chegam todos… / Qualquer dia, salvo venda, chego eu também… / Se nascem, afinal, todos para isso… // Não tenho remédio senão morrer antes, / Não tenho remédio senão escalar o Grande Muro… / Se fico cá, prendem-me para ser social…» (FPLV 261-262).

 

 

Sara Afonso Ferreira