Nome literário de Luís Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, poeta, ensaísta e crítico, primeiro director (com Ronald de Carvalho) da revista Orpheu, para qual escreve a «Introdução» (nº 1, 1915). Condiscípulo de Mário de Sá-Carneiro, no Liceu de S. Domingos (ou Camões), desde pelo menos 1905, torna-se um dos seus mais íntimos amigos. Pertencendo os dois ao grupo de teatro do liceu, «Grupo Dramático Mário Duarte», aí desenvolvem uma intensa actividade cultural que prenuncia, aliás, o grande móbil das suas vidas. Luís Ramos inicia a sua vida literária, por volta de 1910, com um poema de exaltação republicana, intitulado A Revolução, publicado em opúsculo e dedicado a Bernardino Machado, seu padrinho. Pouco depois, na qualidade de secretário da legação portuguesa, acompanharia o conhecido político na sua estadia no Brasil, como Ministro de Portugal. É neste país, donde regressa apenas em 1914, que conhece Ronald de Carvalho e estabelece relações com o meio literário decadentista-simbolista brasileiro. Com o nome de Luís Ramos, publica A Noite de Satan (1911) e A Caminho (1912), poesia de feição tradicionalista. Ao fixar-se de novo em Lisboa, Luís de Montalvor passa a fazer parte do grupo de Sá-Carneiro (com quem mantivera uma assídua correspondência) e Pessoa. Pertence a Montalvor a ideia de fundar Orpheu, título também da sua iniciativa. Mas é inquestionável que acaba por ter um papel secundário na organização e na dinâmica da revista, sendo substituído na direcção, logo no nº 2, pelas duas figuras tutelares do modernismo. É nesse número que surge «Narciso», «um poema paúlico “puro”», no dizer de Fernando Cabral Martins (2000: 405), e que a Óscar Lopes faz lembrar L’Après-Midi d’un Faune de Stéphane Mallarmé, pela «construção rítmica dos versos e dos períodos sintácticos, com o complicado enlace de encavalgamentos e hipérbatos» (LOPES 1987: 582). Esta influência mallarmeana, detectável em outros poemas do autor, como é o caso de Antiquário (incluído em Athena 3), é assinalada pelo próprio Pessoa, ao considerar que, em Luís de Montalvor, «a sensiblidade se confunde com a inteligência – como em Mallarmé, porém diferentemente – para formar uma terceira faculdade da alma, infiel às definições» - palavras de um artigo publicado em O Imparcial, de 15-7-1927, no qual se anunciava para breve a saída de um livro de versos de Montalvor. Em texto atribuível a Álvaro de Campos, destinado talvez a um prefácio para uma Antologia de poetas sensacionistas, pode, de resto, ler-se algo de semelhante:  «Luís de Montalvor é quem está mais próximo dos simbolistas. No que se refere a estilo e orientação espiritual não está muito distante de Mallarmé, o qual, não é difícil de adivinhar, é, com certeza, o seu poeta favorito. Mas existem claros elementos sensacionistas na sua poesia, coisas inteiramente fora de Mallarmé, mais intelectualmente profundas, mais sinceramente sentidas no cérebro, para falar, de todo em todo, à sensacionista». (OPP II: 1083). De qualquer modo, um claro pendor decadentista percorre a obra de Montalvor que, em 1916, na revista Centauro (por si dirigida), insere um ensaio significativamente intitulado «Tentativa de um Ensaio sobre a Decadência», onde define a decadência como «o símbolo com que vestimos o estado de alma colectivo de exilados da Beleza», e a Beleza como «a doença do Espiritual, o Mal de Deus», e onde afirma o simbolismo como «a flor da arte decadente» e uma autêntica «teoria de libertação». Apesar da sua colaboração nas revistas da época (Contemporânea, Sudoeste, Cancioneiro e presença também o acolhem), Montalvor permanece numa relativa sombra literária. O seu anunciado livro de versos acaba por não sair, sendo os seus poemas modernistas reunidos em volume, apenas em 1960, numa edição póstuma de Petrus, que inclui como prefácio o artigo atrás citado de Pessoa. Neste artigo, sublinhe-se, os poemas de Montalvor são classificados como «subtis, irreais, quase todos admiráveis», constituindo «a surpresa da própria inteligência em se encontrar sempre diferente de si mesma». Mas o poeta empenhar-se-á, sobretudo, em dar a conhecer a poesia dos outros. Em 1930, funda uma pequena editora – a Ática – onde, para além da publicação de obras colectivas de referência, como a História do Regime Republicano em Portugal, A Arte Indígena Portuguesa ou a História da Expansão Portuguesa no Mundo,  inaugura a colecção «Poesia», na qual seriam incluídas, a partir de 1942, as obras de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos. A editora prospera, transferindo-se para uma sede maior, com livraria na rua Garrett. O pós-guerra revela-se, no entanto, problemático para o negócio editorial. A Ática entra em crise. E Luís de Montalvor, compartilhando o destino trágico de muitos dos seus companheiros de Orpheu, morre afogado, em 1947, quando o automóvel em que se seguia com a mulher e o filho se despenha nas águas do Tejo, junto à estação fluvial de Belém. Correm boatos acerca da ocorrência, já que nunca se acreditou que se tivesse tratado de um acidente. A versão de suicídio colectivo ganha força, atribuído quer às circunstâncias financeiras deprimentes, quer a «ínvias causas familiares». A figura de Luís de Montalvor provocara sempre, aliás, alguma estranheza: «Nunca fora mais do que uma presença inquietante, não só pelo que havia de ambiguamente íntimo na sua familiaridade, mas também pelo que de invulgar se desprendia do seu aspecto físico», como escreve João Gaspar Simões (1974: 132), que salienta também «o seu glabro rosto, o seu crânio inteiramente calvo, os seus olhos sem pestanas, o seu ar de fetus, ou de ser prematuro (…)», cuja visão «não mais se desvanecia dos olhos» de quem o tivesse conhecido.

 

 

Bibl.: O Livro de Poemas de Luís de Montalvor, ed. Arnaldo Saraiva, Porto, Campo das Letras, 1998; Óscar Lopes, Entre Fialho e Nemésio, vol. II, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987; João Gaspar Simões, Retratos de poetas que conheci, Porto, Brasília Editora, 1974.

 

Manuela Parreira da Silva