Fundada por Albano Nogueira e Miguel Torga, Manifesto editou-se em Coimbra entre Janeiro de 1936 e Julho de 1938, num total de cinco números. Nela colaboraram António Madeira (Branquinho da Fonseca), Miguel Torga, Vitorino Nemésio, Paulo Quintela, Fernando Lopes Graça, Albano Nogueira, Carlos Sinde (pseudónimo de Martins de Carvalho), Afonso Duarte, A. Ramos de Almeida, Álvaro Salema, Sílvio Lima e Bento de Jesus Caraça, entre outros. Apesar da diversidade dos seus colaboradores e dos textos publicados (rubricas fixas, comentários, traduções, ensaios, poemas, páginas de prosa ficcional), Manifesto traça uma linha de rumo bem definida, preconizando um “humanismo” pleno, “de base real e a-retórica”, que pressupõe um entendimento do homem como ser social e se afasta assim do individualismo presencista. Num artigo intitulado “André Gide e o imperativo de consciência”, incluído no nº 1 da revista, Albano Nogueira sublinha que “(...) só se revela como verdadeiramente fecunda e verdadeiramente humana aquela cultura que equilibra o homem com os homens, de modo que desse equilíbrio resulte não a vitória isolante do Indivíduo nem a vitória cilindrante do Colectivo, - sim a vitória daquilo a que enfática – mas necessariamente teremos de chamar o HOMEM” (p. 7).

Coincidente, no seu tempo de vida, com a ascensão do nazismo, os primeiros anos do Estado Novo e o deflagrar da Guerra Civil de Espanha, Manifesto não pode alhear-se da circunstância histórica, social e política, e traça não apenas um programa literário (em que a missão social do artista é inequivocamente assumida), mas um programa de intervenção nos vários domínios do humano (programa esse explicitado em artigos sobre filosofia, política, música, educação, etc.). Fiel ao seu título, a revista quer-se presença apelativa e mobilizadora, e para isso inclui algumas rubricas fixas, como “Via pública” e “Panorama”, que tratam de temas de actualidade e registam tomadas de posição sobre assuntos diversos. Nas sucessivas “Vias públicas”, encontramos homenagens a artistas (René Crevel, Henri Barbusse, Fernando Pessoa, Romain Rolland, M. Gorki, Lorca), referências a cientistas (Pavlov, Adler), comentários breves e pequenos textos de intervenção (sobre T. Mann e o nazismo, sobre Unamuno, sobre a guerra na Abissínia). Na rubrica “Panorama” – que, como o nome indica, propõe uma perspectiva abrangente sobre o mundo real – há também lugar para o noticiário, a tomada de posição e a reflexão critica. Idênticas preocupações sociais estão contidas noutros textos, como o de Sílvio Lima “O verdadeiro perfil do pacifista” (nº 2), exaltando a “campanha de fraternização” exercida pelo “guerreiro da paz” (o leitor da época veria nestas linhas uma implícita condenação da política de conquistas levada a cabo por Hitler), ou o de Bento de Jesus Caraça “Organização escolar” (nº 3), preconizando “quatro condições necessárias (...) da Escola Única – co-educação, laicismo, gratuidade e selecção” (p. 3). No domínio da criação artística, o texto de Fernando Lopes Graça “A música e o homem” (nº 1) aponta também para uma atitude prosélita, ao inscrever a arte na “engrenagem do corpo social” e ao definir o músico como elemento da sociedade e não como simples “lunático” ou “rouxinol”. Veja-se ainda o artigo “Lá vai mote!” (nº 3), que realça a “alta lição de humanidade” que a actividade política pode encerrar: “(...) A politica humaniza, assim, e responsabiliza o homem; e só o homem responsável é afinal verdadeiramente humano” (p. 14).

Para além destes textos de índole doutrinária, outros merecem ainda destaque em Manifesto: o poema “Ode ao Mar”, de Vitorino Nemésio e os poemas “O Lázaro” e “R-7” (depois publicados em O Outro Livro de Job) de Miguel Torga. São também deste autor uma página do romance A Criação do Mundo (no nº 4) e os sete poemas do conjunto “História Trágico-Marítima”, publicado no nº 5, com a menção “Do livro a sair: Poemas Ibéricos”. O nº 5 de Manifesto, mais rarefeito, é inteiramente preenchido por colaboração de Miguel Torga, e fecha com uma breve “Via pública” explicativa que alude às saídas irregulares da revista e à preocupação de garantir o título. De facto, com esse número terminou a revista, por dificuldades com a Censura. No romance autobiográfico A Criação do Mundo, Miguel Torga deixou-nos um testemunho sobre a sua participação em Presença, Sinal e Manifesto, sendo as revistas evocadas, respectivamente, com os nomes Vanguarda, Facho e Trajecto

 

Bibliografia: Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo, 1996; Clara Rocha, Revistas Literárias do Século XX em Portugal, Lisboa, IN-CM, 1985; Miguel Torga, A Criação do Mundo, Lisboa, 3ª ed., Publicações Dom Quixote, 1999, pp. 196, 243-245 e 253.

 

Clara Rocha