Nascida em Lisboa, a 13 de Maio de 1899, Sarah Affonso passa a sua infância em Viana do Castelo (1904-1914). Na escola de Belas-Artes de Lisboa, onde cursa pintura, é a última aluna de Columbano. Discípula do grande mestre, cedo se afasta do naturalismo prosseguindo a sua formação em Paris, que visita pela primeira vez em 1924 e onde permanece cerca de um ano. Da capital francesa envia 5 obras para o XXI Salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes. De regresso a Lisboa, participa nos I e II Salões de Outono, organizados por Eduardo Viana em 1925 e pela Contemporânea em 1926. Em 1927 Sarah Affonso parte novamente para Paris, desfrutando de tudo quanto a cidade lhe oferece (no âmbito da pintura, da música, do teatro e da dança), trabalhando no atelier de Sónia Delaunay e expondo no Salon d’Automne. De volta a Portugal, em 1928, realiza a sua primeira exposição individual, no Salão Bobonne, e passa a frequentar a Brasileira do Chiado (atitude pouco convencional para a época, tratando-se de uma mulher). Expõe novamente em 1929, com José Tagarro; em 1930 e 1931, nos I e II Salões dos Independentes; em 1932, nos salões da Ilustração Portuguesa (individualmente), e no Salão de Inverno; e em 1933, na Galeria UP. Nestes anos, Sarah Affonso ilustra obras de Fernanda de Castro (Mariazinha em África, 1925, Tesouro da Casa Amarela, 1932, e As Aventuras de Mariazinha, 1935), de Carlos Amaro (S. João Subiu ao Trono, 1927) e de Teresa Leitão de Barros (Bonecos de Estampar, 1929), e colabora, com duas capas, na revista presença (n.ºs 14/15 e 31/32). Em 1934 casa com o pintor José de Almada Negreiros, abandonando progressivamente uma intensa e aplaudida actividade artística. Em 1944 é-lhe atribuído o Prémio Souza-Cardoso, no âmbito do IX Salão de Arte Moderna organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional.

A pintura de Sarah Affonso, figura incontornável da segunda geração do nosso modernismo plástico, inspira-se directamente num imaginário popular vivido durante a infância (o quotidiano campesino, as festas e feiras populares, as «Procissões», os «Casamentos», são temas recorrentes da sua obra), recriação poética, através de uma grande sensibilidade de colorista, de um universo encantado e primitivo. Segundo as palavras de José Régio, «Sarah Affonso transporta (…) para a tela uma visão paradisíaca da vida: Toda a sua pintura diz saudades da infância; ou antes: persistência dum estado infantil numa consciência já suficientemente crescida para aproveitar artisticamente essa infantilidade» (in: presença, Junho/Julho de 1930). Palavras que nos recordam outras, de José de Almada Negreiros (futuro marido de Sarah e seu profundo admirador) n’A Invenção do Dia Claro (1921): «Eu-próprio, apenas agora começo a saber recordar o que foram os meus desenhos de há dez e vinte anos, quando fiz uns traços em pedaços de papéis que guardaram. / Escuto estes desenhos como a um homem do campo que diz, sem querer, coisas mais importantes do que o que está a contar, e que põe tudo à mostra sem dar por isso. Através destes desenhos sigo grafologicamente o meu instinto à espera da minha vontade — a minha querida ignorância a aquecer ao sol e a transformar-se na minha vez cá na terra».

 

Maria José de Almada Negreiros, Sarah Affonso, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda (Col. «Arte e Artistas»), 1989; Sarah Affonso (1899-1999) – Memórias de Viana. Viana do Castelo, Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1999; José Manuel de Almeida Nunes Fortes, Sara Afonso – a Busca do Princípio da Originalidade, Dissertação de Mestrado em História da Arte apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lusíada de Lisboa, 2004.

 

Sara Afonso Ferreira