(1857 – 1915)

José Pereira Sampaio, que adoptou o pseudónimo de Bruno, nasceu em 1857, Porto, e morreu em 1915 na mesma cidade onde sempre viveu, salvante um curto período de dois anos, entre 1891 e 1893, em que, obrigado a deixar o país, devido à revolução republicana do 31 de Janeiro de 1891, de que foi o doutrinador, se exilou em Paris e Amesterdão.

Estreou-se em 1874, aos dezasseis anos, com um livro que depois renegou, Análise da Crença Cristã,  marcado pelo magistério de Amorim Viana. O seu primeiro título assumido, A Geração Nova (1886), mostra um espírito reservado e indagador, capaz de equilibrar uma erudição desmedida com uma invulgar perspicácia compreensiva; o livro contém ainda hoje um dos mais penetrantes exercícios de leitura do Eça naturalista. O terceiro título, Notas do Exílio (1893), fruto das deambulações do exílio, é o arranque da sua obra de pensador magistral. O livro aborda em dez estudos a cultura europeia mais significativa da época e contém porventura o primeiro contributo crítico escrito em língua portuguesa sobre a obra de Marx. As notas representam no itinerário de Bruno um ponto de viragem; o escritor, que nascera no raio de influência da geração de 70, parece desta vez afastar-se dele, pelo menos naquilo que diz respeito à decadência do país, mau grado a crítica às instituições e ao comportamento português, patente nas páginas finais do livro.

Dez anos depois, em 1904, publicará O Encoberto, que é com A Ideia de Deus (1902) o seu estudo decisivo, onde esclarecerá no último capítulo, “Decadência e Progresso”, este particular do seu pensamento, rebatendo as teses do Antero das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares e contribuindo desse modo para um realinhamento ideológico dentro do pensamento português republicano e socialista, que tantas consequências terá na geração seguinte, sobretudo em Pascoaes, Cortesão e Pessoa. Não se trata de ajustamento isolacionista, autoritariamente lusocêntrico, ao modo do Integralismo de Sardinha, mas da necessidade de complexamente situar o cosmopolitismo, sem o abandonar. Nesse sentido, o pensamento de Bruno representa no quadro das tendências literárias nacionalistas que se desenharam na cultura portuguesa depois do Ultimato inglês uma via autónoma, muito mais exigente e rica, até pelos paradoxos, que as representadas por Silva Gaio e Alberto de Oliveira.

Bruno recusava-se a aceitar de forma linear as ideias de decadência e progresso. Preferia por isso falar de uma decadência e de um progresso essenciais e de uma decadência e de um progresso acidentais, consoante o móbil era moral ou material. Portugal era um país com um visível atraso material, mas cujo movimento interior era o mesmo que empurrava para a frente as sociedades mais avançadas; é o que Bruno chama a realização do progresso essencial através de uma decadência acidental. Antero e Martins, através das estatísticas económicas, viam as aparências do país, que eram de decadência; Bruno, por meio da arte, da jurisprudência, das ideias, prestava atenção aos fluxos do psiquismo, percebendo o seu avanço. Deu de caras assim com as manifestações esotéricas do pensamento português, que séculos de feroz perseguição religiosa haviam quase apagado, e depois tanto motivaram o Pascoaes que aceitou a realidade substancial do Mal, o Cortesão que viu no culto do Espírito Santo o impulso subterrâneo dos descobrimentos portugueses e o Fernando Pessoa que actualizou o sebastianismo enquanto cosmopolitismo situado.

Assim se entende a carta (8 de Setembro de 1914) em que Pessoa, apresentando-se como vaticinador do supra-Camões, requer a Bruno orientação para o estudo do sebastianismo. O destinatário retorquiu de imediato, indicando-lhe o livro de 1904. Adite-se que uns meses depois, Pessoa fez acompanhar nova carta de exemplar do primeiro Orpheu, rogando apreciação para a nova revista. Bruno, no retruque, não se esquivou e avaliou com funda e anelante simpatia o “Marinheiro”, “revelação dum temperamento, pujante e original, de artista e pensador”.

 

Bib: CARVALHO, Amorim de, O Positivismo Metafísico de Sampaio Bruno, Lisboa, Sociedade de Expansão Cultural, 1961; MARINHO, José, “Sampaio Bruno”, in Perspectivas da Literatura Portuguesa do Século XIX, vol. II, org. João Gaspar Simões, Lisboa, 1947; SERRÃO, Joel, Sampaio Bruno – O Homem e o Pensamento, Lisboa, 1958.

 

 

António Cândido Franco