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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/5_10
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Paris, no dia 23 de Junho de 1914. 

 

 **

Paris, 23 junho 1914

 

Muito obrigado meu querido Amigo por todas as suas amabilidades: uma carta, um postal e o n.º da Águia. As minhas sinceras felicitações pelo nascimento do Ex.mo Sr. Ricardo Reis por quem fico ansioso de conhecer as obras que segundo me conta na carta repousam sobre ideias tão novas, tão interessantes e originais – e sobretudo grandes porque são muito simplesmente do Fernando Pessoa. Fico ansioso. – Pêsames pela queda do paul-humano: queda física que não pode atingir tal semideus.

Lepidopteria

Engraçadíssima de inferioridade os dizeres da Águia que mesmo não percebi bem quanto aos versos – ficando sem saber se a redacção aplaude a singularidade dos versos ou se a acentuação dessa singularidade «fez um livro singular» é uma ironia. Sobretudo aquelas clássicas duas ou três noites febris da Confissão de Lúcio marcam bem o lepidopterismo do crítico... – O Pascoais desata a chamar grandes poetas a todos os lepidópteros da França (vide Ph. Lebèsgue). O Nicolas Beauduin, futurista, porque o que há de novo e interessante no paroxismo é no fundo do Marinetti – receava eu, tinha certeza embora nada dele conhecesse que também roçasse as borboletas. Ora ontem justamente descobri numa revista, Le Parthénon, uma poesia dele, «Music-halls» (lembre-se como os futuristas acham-se beleza nos music-halls e gritam que os devemos cantar). A poesia é má, lepidóptero como burro. De resto comprei o n.º da revista para você ver. Simplesmente me esqueci ontem dele no restaurante, mas hoje ao jantar reclamá-lo-ei porque decerto o guardaram e assim dentro de poucos dias lho enviarei.

Gente – conhecida

Não vi mais o Santa-Rita. O Pacheco e o Franco mandam-lhe muitas saudades agradecendo as suas. O Pacheco vai-se embora breve para aí dentro de 15 ou 20 dias. Outro dia encontrei no meu quarto debaixo da porta o seguinte cartão:

G. Hotel Globe quarto 27
Júlio M. do Nascimento Trigo
Médico
apresenta os seus respeitosos cumprimentos

ao seu Ex.o colega não o tendo feito há mais

tempo por ignorar a sua presença neste

mesmo Hotel.

 

Isto para catalogar nas «Noções de Erro». Supus que este homem me quisesse pedir dinheiro emprestado, mas até hoje não tive mais novas dele, limitando-me a deixar-lhe um bilhete meu escrevendo por baixo do meu nome em grandes letras sublinhadas: «estudante de Direito».

Literatura

Você viu um postal em que iam uns versos em francês? Que demónio era aquilo? A propósito – aí vão outros – uma poesia talvez, mas por enquanto incompleta. Diga o que lhe parecem abstraindo de erros de ortografia possíveis:

Le trône d’Or de Moi-perdu,

S’est écroulé
Mais le vainqueur est disparu

Dans le Palais...

 

En vain je cherche son armure,
Ses oriflammes...
(Je ne Me suis plus aux dorures:
– Ai-je égorgé mes aigles d’Ame?...

 

Tout s’est ternie autour de moi

Dans la gloire.
– Ailleures, sanglant, mon émoi

Etait d’Ivoire.

 

Tous les échos vibraient couleur

Dans mon Silence,
Et comme un astre qui s’élance
Je montais – Aile de ma douleur...

 

J’étais la coupe de l’Empereur,

J’étais le poignard de la Reine...

..........................................

..........................................

 

Je me revais aux heures brodées

Avec des tendresses de Page.
J’étais le roux d’Autres mirages

Pendant mes fiévres affilées...

..........................................

..........................................

..........................................

 

Eu em verdade não sei bem o que isto é? Paulismo, lepidopterismo ou outra coisa qualquer? Em suma – apontamentos...

É possível, meu querido Amigo, que tivesse mais coisas a dizer-lhe. Tinha decerto. Mas não me lembro e, de resto, hoje estou muito estúpido. Escreva sempre, mande as obras do Ricardo Reis e receba um grande, um gigantesco abraço d’Alma a Íris-Norte e o que você quiser

do seu confrade em paulismo e lugar-tenente interseccionista

o

Mário de Sá-Carneiro

Sossegue. Não iniciei Pacheco, Caeiro.
Saudades a todos os conhecidos e em especial ao C. Rodrigues.

Como você me escreveu do Café de France – eu faço o mesmo...

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5545

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre folha pautada, timbrada ("Café de France") e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1914 Jun 23
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Futurismo, Modernismo, Paúlismo
Nomes relacionados
Ricardo Reis
José Pacheco
Côrtes-Rodrigues
Nicolas Beauduin
Júlio M. do Nascimento Trigo

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.