Mário de Sá-Carneiro
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Mário de Sá-Carneiro
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Imagem
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Paris, no dia 18 de outubro de 1915. 

 

 **

Paris – Outubro 1915
Dia 18 
 

Meu Querido Fernando Pessoa,

 

Recebi ontem a sua carta de 12 e seu postal de 13 que muito agradeço. Também recebi o seu postal de 11. Muito curioso o que me conta na carta mas perfeitamente compreensível, normal. Que o Montalvorzinho ficara de «orelha» murcha comigo após a descoberta da gatunice, visualmente o percebi. Santa-Rita Pintor é de há muito um meu inimigo íntimo. Nem pode perdoar cena do Montanha nem Confissão de Lúcio – e muitas outras pequeninas coisas, mesmo aqui de Paris durante o nosso convívio. Vem de longe o fel. Mas contra você também ele existe supinamente. Assim o coup, não tenha dúvida é, pelo que diz respeito ao Pintor, tão montado contra mim como contra você. E o que ele acima de tudo nos não pode perdoar é a «Estrela» que o seu génio falido se vê obrigado – entanto por ser génio falido – a reconhecer-nos. E isto já é ser, hein?, benévolo para com o Pintor.

De resto a minha vitória é íntegra pois nem um ou outro me prejudicam ou amofinam. Só me amofina não ter dinheiro. E disso não são eles os culpados – hélas! Se a malandrice for flagrante, se fizerem um n.o 3 do Orfeu, por minha parte farei publicar no Século uma declaração sucinta – três linhas – que no entanto porá tudo em pratos limpos. E nem cinco minutos me incomodam. Talvez logrem mais enfrentá-lo a você, pela sua maneira «a sério» de encarar a vida. A mim... Ai, meu querido Fernando, tenho tantas mais coisas a lastimar, pequeninas dores íntimas, ausências vagas, saudades impossíveis... Meu Deus, meu Deus, que ingénuos bandalhos! Raios os partam, em todo o caso... Agora há uma coisa com que é preciso a máxima cautela: se eles vão ter o desplante de pôr na rua um real n.o 3 do Orfeu nós não podemos colaborar: isso seria dar o nosso tácito consentimento. Por minha parte nada me importo de negar cara a cara a colaboração, na dúvida. Você deve fazer outro tanto – mesmo numa quebra de relações. Todos os seus esforços devem orientar-se em de qualquer modo averiguar o que é que eles vão fazer – que original de frontispício se está a imprimir. Não se fie em palavras. O Santa-Rita é capaz de dizer uma coisa – e à última hora aparecer outra, quando já não tiver remédio. A máxima cautela é pouca. Precisa estabelecer um serviço de espionagem. O Júlio de Vilhena parece-me estar indicado como chefe. Repare bem na importância disto: nós podemos e devemos colaborar mesmo no 3 mas de forma alguma no Orfeu n.o 3. A propósito: parece-me melhor dar apenas para a revista – que, apesar de tudo, ainda considero hipotética – o «Lord», a «Escala» e o «Abrigo» poesias sérias, nada irritantes. Assim parece-me ser, para nós, a melhor táctica. Não é você desta opinião? Pense bem – e, decididamente, de mim, dê só estas. É tramá-los um pouco. E ponto final sobre este nojento – mas hilariante – assunto. Como nós estamos acima de tudo isto! Que dor nas costas de nos devermos curvar tanto para remexer este lixo... Entanto você vá-me informando dia a dia do que houver. A propósito: eu também conheço o Faustino da Fonseca, posso-lhe escrever sobre o assunto se for necessário. Ponto final, decididamente.

Mil razões. Espirituoso e «inteligente» o fado do Augusto. Ri muito – e pelo mesmo correio lhe envio um postal de felicitações. É na verdade a melhor coisa, a mais lúcida de muito longe, sobre o Estilo-Novo... Que lição aos nossos jornalistas e revisteiros!... Repita-lhe os meus parabéns.

– De mim, nada: nem disperso, nem intenso. Há projectos literários: «Novela Romântica», «Para lá», «O Cúmplice» (coisa nova que lhe contarei proximamente) – mas nestes meses mais chegados não trabalharei. E cá vou fazendo minha como nunca esta quadra:

Passar tempo é o meu fito.

Ideal que hoje me resta.
Pra mim não há melhor festa

Nem mais nada acho bonito...

Mas guardemos a psicologia para uma carta que lhe quero escrever proximamente.

Envio enfim a carta insultuosa do Rita. Se não fosse dele eu não admitia que alguém me escrevesse assim a respeito de você. Mas o meu querido Fernando Pessoa sabe que o Pintor é bicho à parte que tem licença para dizer tudo, e a gente continuará – até um certo ponto – a falar-lhe. Escusa, claro, de me recambiar o documento. Mas guarde-o.

E por hoje, mais nada.

Escreva pois dando informes detalhados, dia a dia, e receba um grande abraço da Alma do seu, seu

Mário de Sá-Carneiro

 

P. S.

A sua carta de 13 chegou também aberta pela autoridade militar. Europa e guerra!

Retribua saudades a Torres de Abreu com outras tantas e um abraço.

Que é feito do Vitoriano? Dê-lhe abraços. O mesmo a Pacheco e Almada.

Se o sabe, mande-me endereço africano D. Tomás.

 

Escreva. Mil saudades!

Não recebi nada do Pintor.

Notas de edição

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre papel liso timbrado ("Café Riche") e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1915 Outubro 18
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Nomes relacionados
Santa-Rita
José Pacheco

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.