"Revista Mensal Ilustrada de letras, ciências e artes"

Nas páginas de Límia acontece a implantação da República, em Outubro de 1910, data do primeiro número. Subintitulando-se "Revista mensal ilustrada de letras, sciencias e artes", foi efectivamente uma publicação mensal regular e ininterrupta até Abril-Maio de 1911 versada em várias artes, mas com ênfase na história, na literatura e na arte. Por vezes, esta datação aparece erroneamente visto haver uma gralha na capa do número duplo final - 1912 - que a página preliminar, com a data certa (1911), resolve, bem como através da leitura de alguns artigos no interior. 

Cláudio Basto foi um dos grandes impulsionadores da revista, para a qual convidou os seus antigos colegas de Coimbra: Leonardo Coimbra, por exemplo (com quem tinha fundado, juntamente com Álvaro Pinto e Jaime Cortesão, a revista 'Nova Silva'), sendo sempre dirigida por João da Rocha, publicista e literato.  

O último número da revista custava 160 réis (16 centavos), inflacionada do ano anterior, quando começara a ser vendida por 100 réis (10 centavos), preço médio para uma publicação com essa qualidade de papel e acabamento. De lembrar que, durante a existência de quase um ano desta revista, três foram as tipografias que asseguraram a sua impressão, o que pode revelar um apertado controlo orçamental. Os primeiros dois números foram da responsabilidade da Tipografia de André J. Pereira & Fº, em Viana do Castelo, passando depois para a Tipografia Universal (Porto) dos números 3 a 6, e sendo o número duplo final impresso de novo em Viana do Castelo, onde a revista se sediava, na tipografia Modêlo. Sabemos, no fim do número 4, porém, que tem corrido bem a venda da revista, porque o primeiro número havia esgotado. É de surpreender, assim, o fim eminente cinco meses depois. 

 

Revista nacionalista e regionalista, muito à semelhança do que se fazia neste período - lembrando, por exemplo, a estrutura e etnografia do que vai ser Terra Nossa (1916), logo o primeiro número nos fala de Gonçalo Velho, o povoador dos Açores, da sua casa tardo-medieval de Braga, fazendo par com "Habitações castrejas do norte de Portugal", do historiador Félix Alves Pereira e com as "Notas de Onomatologia" do consagradíssimo Leite de Vasconcelos. Artigos no fundo focados numa província particular, vendo-a através da toponímia, da arquitectura, dos vestígios arqueológicos (número 2) e dos seus artistas/poetas/ilustres. A revista era então palco das luminárias minhotas da altura, desde o poeta regionalista José Vale (pseud. João Verde) até ao historiador vianense Luís de Figueiredo da Guerra, passando por Teixeira de Pascoaes, chegando até outras paragens com Afonso Lopes Vieira, um poeta de resto muito referido aqui.

 

Publicação muito atenta ao que se publicava, às efemérides, e ao contexto literário e artístico europeu, apresenta vários artigos de interesse, muitas vezes inseridos em números temáticos. O número 4, por exemplo, é dedicado ao eminente historiador Sousa Viterbo, decano de renome no período, pela ocasião do seu falecimento, sendo esta também, curiosamente, a revista onde ele tinha publicado um dos seus últimos artigos, sobre um pintor flamengo (  Cristovão de Utrecht). Nesta linha, Tolstoi e o seu falecimento também é referido: no número 3, de Dezembro de 1910, num artigo elogiativo de um ilustre do norte, Leonardo Coimbra, e depois no nº4, outro artigo de Jaime de Magalhães Lima, que foi um teórico do naturalismo e vegetariano, tal como o escritor russo.

 

Límia era uma revista de rubricas fixas ('Panorama', 'Varia') que raramente eram obliteradas (a não ser, por exemplo, no número 4, onde se teve de arranjar espaço para falar de Sousa Viterbo). Uma análise da secção 'Bibliografia', normalmente no fim da revista, aponta outros volumes interessantes do período, bem como indica aquilo que se lia na altura. Um bom exemplo encontra-se no número 6, onde se indica a publicação da revista 'Figueira', nomeadamente os seus dois primeiros números (numa revista que vai ter 6 séries entre 1911 e 1916), e onde foi publicado, pela primeira vez, o conjunto de elegias chineses que estavam prometidas para o segundo número de Centauro, que, como se sabe, nunca veio a sair...

 

Em suma, Límia era a típica revista destes anos 10: regional e nacionalista na índole e no seu programa, mas onde, do ponto de vista artístico, já começa a despontar um tímido modernismo, mercê das colaborações de alguns novos (J. Salgado, Luis Felipe) ainda que graficamente seja dominada pela bela capa simbolista de António Carneiro, o pintor consagrado daquela parte do país.

 

Ricardo Marques