Menos conhecida que outras revistas de 1916, Centauro Exílio, Terra Nossa teve uma carreira de três números irregulares (Maio, Junho, Setembro)- ainda assim, maior do que as supracitadas e do que muitas outras publicações periódicas desta índole. Os três números deste 'mensário da vida alentejana', como se subintitula, têm várias peculiaridades que merecem nota. Em primeiro lugar, é das revistas portuguesas situadas no Primeiro Modernismo aquela que talvez tenha sido mais etnográfica, ideal expresso desde logo no seu subtítulo. Tudo nesta revista parece reportar a essa geografia. 

Domingos Garcia Pulido, integralista, assina o programa-editorial da revista, dizendo que esta havia sido resultado de uma outra, que acabou por não ser publicada ("por motivos de ordem particular cuja exposição nada importa neste momento": "Terra Mãe". Presume-se que seria uma publicação com a mesma índole, quer pelo nome, que pelos envolvidos: o artista Correia Dias e Francisco Beliz, um autor que aparece no segundo número, de Junho, com um poema, e que irá colaborar com Contemporânea nos anos 20 e admirador da obra de Sardinha, dedicando-lhe um ensaio ("O amor da terra na obra de António Sardinha"). É uma revista, assim, nacionalista, até porque "Terra Nossa pode significar também Terra de Portugal", uma publicação que pretende centrar-se naquela província como apanágio do resto do território, "um campo neutro do entendimento alentejano".

 

Passemos então a entrever a estética das capas, e a forma como esta vai no mesmo sentido. De uma forma geral, esta apresenta-se sem muitos pormenores, com alusão à vida alentejana. As cores são muito suaves – azul celeste para a primeira capa, amarelo limão na segunda e de tons pastel na terceira. No primeiro número, quem desenha a capa é Martinho Gomes da Fonseca, de 26 anos na altura (1890-1972), discípulo de Columbano Bordalo Pinheiro. No número dois, da capa diz o Ponto Final, última página da revista, "O desenho da capa d'este número da Terra Nossa é um motivo alentejano, que Saavedra Machado tirou do natural em pleno campo. Figura a casa do ferreiro, em Santa Victoria do Ameixial, pequenina aldeia, repleta de evocações, no extremo do concelho de Estremoz". Já o terceiro e número final, é da autoria de outro discípulo de Columbano, Gil Romero, e temos a informação que o original é uma aguarela a cores.

Por outro lado, Terra Nossa ficou comummente conhecida pela colaboração pessoana no terceiro número, de Setembro, com um dos poemas fundamentais da obra ortónima, 'Ceifeira', numa versão que quase igual à definitiva(versão que é depois revista quando aparece em Athena, nº3, 1924, e que é próxima daquela que conhecemos), que apenas reescreve dois versos e uma das estrofes. É curiosa esta leitura contextual e intertextual do poema pessoano, que encaixa assim em Terra Nossa como ilustração dum aspecto dessa mesma vivência agrícola a sul, antecedido aliás de "Ceifas" de Américo Durão e de "Carpideiras do Sol Morto", de Ferro ( No cabeçalho uma vinheta com uma versão de Millet dos respigadores, ilustrando o poema.) . Para mais, a esta indirecta comparação que pode ser feita entre dois poemas de ceifeiras - o de Pessoa e o de Ferro - podemos acrescentar um terceiro, igualmente bucólico, inédito de José Duro, "Bucólica".  

Em todos os números há uma fotografia de um ilustre poeta - Fialho de Almeida, escritor alentejano recentemente falecido, no primeiro número, o Conde de Monsaraz no segundo e José Duro, poeta alentejano bem conhecido da altura, no terceiro. Mais uma vez, a estratégia do ponto de vista do conteúdo é enaltecer o talento da terra, ou da ‘Charneca-Mãe’ como nos é dito no editorial, seja ele o talento coevo, seja os nomes incontornáveis do passado recente. Neste sentido,  Brito Camacho fala do 'Celeiro de Portugal' e Aboim Ingles participa com um artigo economicista, valorizando a provincia alentejana.

Do ponto de vista literário, e para além de Pessoa, são ilustres os colaboradores dos outros números desta revista. António Sardinha colabora com um extenso ‘Poema do Outono’ "Vem a subir o Outono, amiga, como será o nosso envelhecer..."  É o próprio António Sardinha que no segundo número consagra várias páginas ao Conde de Monsaraz, páginas autobiográficas que analisam a obra do autor, seguido daquele que é o ‘ultimo poema do Conde de Monsaraz’; um artigo sobre Fialho de Almeida (1857-1911), os seus últimos dias, da autoria de Garcia Pulido, seguido de um inédito do autor alentejano e, finalmente, sonetos decadentistas de Hernâni Cidade e de Alberto de Castro Osório.

Esse terceiro e último número termina com um artigo sobre Eça de Queirós em Évora, com trechos das crónicas escritas para o Distrito de Évora pelo escritor de Vila do Conde, e com o anúncio de um quarto número que nunca viria a sair: Novos poemas de Beliz e Hernâni Cidade, novo artigo de Sardinha e, como se vê, a mesma linha editorial.


Integralista e conservadora (Luís Chaves, Sardinha), Terra Nossa apresenta, em suma, uma ideia nacionalista da cultura que antevê a sofisticação de revistas mais tardias, do Estado Novo, com o afastamento e projecção de uma região portuguesa no território nacional.

Ricardo Marques