"A Renascença", revista de crítica, literatura e arte, de acordo com o subtítulo, foi uma publicação de apenas 16 páginas, impressas na Tipografia do Anuário Comercial, que dois anos mais tarde seria a responsável pela impressão de Centauro e de Terra Nossa, e dois anos antes imprimira A Rajada. Ainda que apresentasse um grande cuidado estético, custava 5 centavos, o que rondava o normal para uma publicação da época (se contarmos que a elegante, maior e mais volumosa Portugal Futurista custaria 40 centavos em 1917). 
 
Renascença é, claro está, uma palavra sintomática. O desejo destas publicações iniciais do Modernismo Português, seja qual fosse o seu tom político e estético, era tentar modernizar a cultura portuguesa e fazê-la renascer na nova era republicana. Renascença, assim, não é diferente, e prepara o que vem no ano seguinte, com estratosférica Orpheu. Se apenas atendermos ao elenco de poetas convocados, isto é fácil de perceber: Coelho Pacheco, o seu redactor, homem intimamente ligado à fina-flor desta geração e ele mesmo poeta de um poema que só depois da morte de Pessoa se tornou conhecido, por estar nas provas de Orpheu 3; Alfredo Guisado, um dos menos conhecidos da geração, poeta de Orpheu e do pseudónimo Pedro Menezes, que aqui publica um poema do futuro livro Distância, num tom algo distante dos poemas de 'Satan à noite' de Exílio; Mário de Sá-Carneiro, ainda vivo, e revelando aqui um lado menos conhecido com um pseudónimo, ou heterónimo, russo, com um poema muito seu, "Além", fragmento de obra maior, de acordo com a história crítica que inventa propositadamente para circundar o poema; e claro, está, Fernando Pessoa, que para aqui fornece "Impressões do crepúsculo", um poema-panfleto do Paulismo, uma fase da sua teoria sensacionista que culminaria no Interseccionismo. Curioso é ainda encontrarmos, como início da revista, um soneto de Júlio Dantas, a nemesis desta geração, símbolo do poeta estabelecido e institucional. Este não é o único caso em que se sobrepõem na mesma publicação os dois grandes de Orpheu e a sua nemesis, de resto.
 
Uma palavra para o editorial. Assinada "A Renascença", é escrita neste ímpeto de renovação que falávamos acima. Com uma escrita vocativa ao 'leitor amigo' e muito arrebatada e exclamativa, é um programa vago e idealista, palavras que aliás utiliza para definir o seu 'Compromisso', corporizada na ideia passadista (mas órfica) da 'lira':
 
'Se te não deleitarem meus acordes, sofrerei sozinha, desiludida, infeliz...
Se porém sentires todo o meu sonho procurarei voar, voar, aventurando-me no éter confuso e indeciso onde tantos limites se buscam e se não atingem, e se no meu caminho vago, idealista encontrar qualquer fulgor novo divino, subtil, vaporoso, que tu possas sentir tão bem como eu, trar-to-ei dentro da minha alma, para te poder deslumbrar com o encantamento leve, apaixonante do seu verbo, que tanta vida nos dará, proque a ambas alimenta!"
 
A palavra mais usada, e mais significativa, em todas as partes da publicação é, como aqui, 'vago', 'sonho', 'ânsia', palavra-chave na corrente simbolista, mas também palavras-chave na poética de Mário de Sá-Carneiro. "Impressões do Crepúsculo", o poema-chave desta revista, é em si o programa do Paulismo, e é impresso em duas partes que nos aparecem com manchas gráficas e estéticas totalmente diversas: numa primeira, e mais tradicional, quatro quadras ao gosto português na qual se inclui o famoso "Sino da minha aldeia", e uma segunda parte, o tal poema-manifesto que dá nome à corrente do Paulismo: "Pauis de roçarem ansias...".   
 
De entre os colaboradores referidos, e para não enfatizar mais o seu texto mais famoso e que mais fortuna crítica granjeou à revista, o de Pessoa, podemos salientar dois casos: Mário de Sá-Carneiro que, por um lado é homenageado num dos poemas, por outro é um dos autores publicados, com um invulgar poema a que já aludimos. Depois Coelho Pacheco, que ocupa um lugar dentro da administração da revista, e que para além de ter aqui um texto humorístico, tem igualmente um longo texto "Zizi", assinado com um pseudónimo, Line. 
 
Em suma, revista que foi órgão de Paulismo ('sem que esse nome apareça uma única vez', como diz Fernando Cabral Martins), "a Renascença" pode ser aposta a alcunha de revista de 'pseudónimos', visto nela terem sido incluídos dois, menos conhecidos mais igualmente inusitados: o de Sá-Carneiro e o de Coelho Pacheco, para não falar dos casos dos colaboradores Guisado e Pessoa, que cultivaram um 'alter ego' noutras partes da sua obra. Revista muito ao gosto da época na qual colabora Dantas, é um exemplo da complexa teia de relações que este primeiro modernismo revela, e que um estudo dos periódicos literários permite desenterrar.
 
A capa é, provavelmente, de Martinho Gomes da Fonseca, que iria fazer a primeira capa de "Terra Nossa", em 1916, tendo em conta a assinatura no canto inferior direito. A sua semelhança estética das suas capas parece igualmente apontar neste sentido.
 
Ricardo Marques