Saída logo durante o mês de Abril de 1924, aquando do primeiro número de Tríptico. Não se sabe ao certo o que motivou esta publicação de cunho difamatório, mas sabemos que foi editada por Manuel Antunes Xavier Monteiro, um nome hoje que nos é desconhecido. A verdade é que, como o diminutivo do nome escatologicamente indica, trata-se um número único de carácter satírico, cujo subtítulo "Poetofobia, Artofobia, Criticofobia, Anti-Revista" - dialoga assim directamente com a coimbrã Tríptico.

Vendo mais detidamente a publicação, a crítica é sempre mordaz, ora velada ora bastante explícita. O primeiro texto é exemplar disso: aqui se encena uma "déliverance", a história do parto da revista que pretende enxovalhar Tríptico em praça pública: Tripticozinho. É a história de D. Tríptica (e se a crítica não estivesse implícita, uma nota de rodapé esclarece: "Dá vulgarmente pelo nome de revista O Tríptico" [sic]), casada com Dr. Intelectuais, que dá à luz com 'forceps de ferro' [sic] e de "Seara Nova", mais uma das revistas (repetidamente) visadas, e que havia começado a sair três anos antes, em 1921. No fundo, este é uma espécie de texto introdutório, ou apresentação do número, que se diz único logo aqui: "O papá do ladino quis requerer o divórcio, mas bem convencido pelos assistentes, resolveu continuar amancebado com D. Tríptica. Esta desfaleceu, e creio que não há esperança de dar um outro número."

O texto seguinte ironiza sobre a existência da própria poesia - "A poesia não existe", enumerando e descontruindo vários exemplos de como não tem qualquer utilidade. Este texto rimará com outro, quae final, onde se pretende fazer um "esboço poético" mordaz desde os tempos dos cancioneiros medievais até ao momento presente. Após o ataque à poesia, é a vez da Arte numa 'pagina chata" com tentativa de definir o que é arte. No texto "Confissão" a visada é a escritora Virgínia Vitorino, talvez a escritora mais reconhecida e publicada de então. Outras mulheres são atacadas mais à frente "Judith Teixeira, Fernanda [de Castro?] Stichini, Amélia [Rey Colaço?] e homens- "[António] Botto, Robles [Monteiro]", João de Castro Osório, entre tantos outros. Numa peça de teatro é encenado o "excerto de uma conversa entre Apolo (mármore) e Vénus de Milo (a dos braços partidos)", num apontamento surrealista (coevo portanto do manifesto de Breton desse ano). Também surrealista é a página sobre questões ortográficas, onde são visados linguistas e intelectuais iminentes, bem como o tratamento que é dado às páginas relativas à música, secção igualmente muito comum neste tipo de publicação.

As parcas ilustrações, de resto, são gravuras cáusticas, ilustrando bem, por isso, o conteúdo dos textos.

Em suma, Tripticozinho não pretende apenas atacar a sua congénere e quase homónima Tríptico, é uma reflexão incisiva sobre toda a sociedade cultural e literária portuguesa, apontando sem quaisquer escrúpulos os nomes e as instituições que devem, na sua visão, ser alvo de crítica e denúncia. Ao mesmo tempo, há uma auto-reflexão sobre o género de publicação periódica que é a revista artística e literária, ironizando sobre as partes que a constituem.  É por isso um número único de fundamental consulta para discernimento sobre o panorama cultural do anos 20.

Ricardo Marques